O governo brasileiro conta cada vez mais com
equipamentos da Huawei em sua infraestrutura, seja para controle de acesso aos
prédios governamentais, seja para armazenamento e processamento de dados. Em um
momento crucial para a instalação da telefonia 5G no País, tecnologia dominada
pela empresa chinesa, e aumento das críticas internacionais aos riscos de
espionagem internacional por Pequim, estudo revela presença cada vez maior da
empresa na infraestrutura nacional.
O Banco Central do Brasil usa equipamentos Huawei para controle de
acesso nas portarias e armazenamento de dados. O Serviço Federal de
Processamento de Dados (Serpro), que administra dados de diversos setores
governamentais incluindo a Receita Federal, depende de equipamentos Huawei em
todas suas unidades, segundo o Portal da Transparência. No Ministério da
Economia, os pontos de acesso de redes sem fio usam roteadores da marca. Até
2015, o Ministério das Relações Exteriores usava uma centena de switches da
fabricante chinesa, até que optaram pela troca em um momento em que diplomatas
se mostravam mais preocupados com os riscos envolvidos com o uso de tecnologia
chinesa.
Os dados fazem parte de amplo estudo sobre os investimentos chineses em
diversos setores da economia nacional e foi conduzido pelo pesquisador
brasileiro Leonardo Coutinho. O levantamento intitulado “A conquista esplêndida” aponta uma presença horizontal em
diversas áreas da economia, com destaque para comunicação, processamento de
dados e agronegócio.
A Amazônia, que virou a bola da vez nas críticas internacionais ao
Brasil, também não ficou de fora. O Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia
(Inpa), um dos centros de pesquisa mais respeitados da região e detentor de
amplo conhecimento sobre o ecossistema amazônico, comemorou em 2014 finalmente
ter em mãos um supercomputador. O mais poderoso processador de dados da região
Norte foi um presente da Huawei. A empresa também doou equipamento semelhante
ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Pernambuco, que atua
de forma integrada ao seu par de Manaus. Toda a base de pesquisa das duas
instituições passa pelos equipamentos chineses.
No estudo, publicado pelo Center for Secure Free Society, um think tank
com sede em Washington D.C., Coutinho faz um alerta sobre como o Brasil pode
estar entregando, involuntariamente, informações estratégicas de Estado e de
seus cidadãos ao governo chinês. Ele ressalta o papel dominante do governo
chinês, e seu partido único Partido Comunista Chinês, nas empresas privadas do
País.
“Não se trata de ter um discurso torpe de não negociar com a China ou
isolar o país. Mas tampouco se recomenda uma postura ingênua diante das
afirmações de que Pequim apenas quer fazer comércio e de que todas as suas
ações visam à conquista de mercados. São claras as evidências de que não
há separação entre os interesses do Partido Comunista da China e os das
empresas chinesas. Há sinais consideráveis de que o Estado é a peça central
para a realização dos projetos do PC e, como tal, é o agente do fomento e
expansão de seus planos, inclusive pela via empresarial”.
Em 2016, aproximadamente 1,3 mihão de comitês do PC estavam em
funcionamento dentro da estrutura administrativa de companhias privadas
chinesas, segundo informações públicas. Dezenas de quadros do partido trabalham
e até comandam as empresas. Somente na Huawei havia 300 estruturas, e um de
seus principais executivos Zhou Daiqi acumula o cargo na empresa ao de secretário
do PC. O mesmo ocorria em empresas criadas para competir com rivais ocidentais,
como Baidu, Tencent e Alibaba.
Durante
a elaboração do estudo, Coutinho ouviu diversas autoridades civis e militares
brasileiras. Para um militar consultado, que ocupa posto importante na
estrutura atual do governo brasileiro, o risco é real com qualquer fornecedor
a que se recorra. A diferença, afirma, é o nível da vulnerabilidade. “Os
defensores da China dizem que os norte-americanos também podem nos espionar.
Concordo. Mas qual é a diferença? Nos Estados Unidos existem leis, imprensa
livre e políticos independentes que podem combater essas práticas, que,
quando descobertas, transformam- se em verdadeiros escândalos, problemas
judiciais e até prisão. E como é na China? Lá o Estado estimula a
espionagem e não existem instituições independentes que, de forma autônoma,
possam investigar, limitar e punir em casos de espionagem.”
O oficial brasileiro lembrou que desde 2017, o Comitê Central do
Partido Comunista da China estabeleceu expressamente em sua Lei de
Inteligência Nacional que empresas e cidadãos têm de cooperar com os
objetivos nacionais de inteligência definidos pelo partido dentro e fora do
país. O aparato de inteligência do Estado tem o direito de requerer a
qualquer momento informações e colaboração de seus cidadãos e empresas.
A preocupação com possível espionagem chinesa de informações sensíveis e
estratégicas através das empresas privadas levou países como Austrália, Japão,
Nova Zelândia, Reino Unido e, de forma mais exaltada, os Estados Unidos a
questionarem a segurança e até banirem os equipamentos da marca. Washington
teme que, em caso de conflito, a China use o acesso aos serviços de rede para
bloquear comunicação e derrubar conexões.
Coutinho lembra que a China diz ser vítima de uma guerra comercial e o
Brasil é o exemplo claro das vertentes desta estratégia. Exportadores
brasileiros temem os prejuízos caso o governo brasileiro vete a fabricante de
equipamentos chinês na implementação da rede 5G. A China é o principal destino
das exportações brasileiras.
O vice-presidente Hamilton Mourão já
disse achar desnecessária a disputa, temendo que ela cause prejuízos à economia
brasileira. “Nós podemos comprar as brigas que podemos vencer. As que a gente
não pode, não é o caso de comprar”, disse em entrevista à Folha de S. Paulo em
novembro.
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