quinta-feira, 2 de maio de 2019

Caminhões autônomos começam a ser realidade e mudam rotas de longo curso


          Os caminhões brancos e verdes da TuSimple seguem o que aparenta ser uma linha normal no transporte de encomendas na Auto Estrada Interestadual 10, que vai da costa da Califórnia até a Flórida. Mas as centenas de quilômetros por onde estes veículos pesados circulam, incluindo as montanhas do Arizona, fazem parte da primeira rota de condução 100% autônoma que está sendo testada pela startup.
           Com sede em San Diego, a TuSimple desenvolveu um sistema de autonomia que foi aplicado a caminhões Peterbilt e está sendo utilizada na estrada, fazendo entregas diárias de encomendas para cerca de uma dúzia de clientes. A cabine dos veículos não vai vazia – algo que certamente assustaria os outros condutores na estrada – mas os dois profissionais que vão sentados atrás do volante não tocam nos instrumentos.
           Os Peterbilt com tecnologia TuSimple têm autonomia de nível 4 e conseguem andar sozinhos até em condições de tempestade. Em breve, os caminhões chegarão ao Texas. E dentro de poucos anos, acreditam os criadores da startup, estarão em todo o mundo.
          “Nossa equipe desenhou um sistema de percepção sem igual, que pode ‘ver’ até um quilômetro à frente com sol ou chuva”, explicou o diretor de relações públicas da TuSimple, Robert Brown. “O caminho que vemos para a comercialização é muito claro”, calculou. A ambição da empresa é ser a líder no segmento de caminhões de transporte autônomos, um mercado que ainda não existe e já tem múltiplos pretendentes.
          Apesar de os carros de passageiros sem condutor serem mais atrativos em termos midiáticos, é na entrega de encomendas e transporte de mercadorias que estão sendo feitos mais progressos e onde existe um caminho aberto para a massificação, entende Brown.
          A RoboSense, que desenvolve sistemas de percepção visual LiDAR, tem um acordo com a empresa de logística Cainiao, do grupo Alibaba, que está usando caminhões autônomos para entregas. O projeto de “logística inteligente” que está em curso terá uma expansão fenomenal nos próximos três anos, com a aquisição já contratada de 100 mil sistemas LiDAR, mostrando a intensidade do investimento, garante a empresa.
          “Em comparação com o ‘táxi robô’, acho que o ‘caminhão robô’ chegará mais cedo e mais facilmente à industrialização”, prognosticou Leilei Shinohara, vice-presidente de I&D da RoboSense. Além da Cainiao, alguns dos parceiros da empresa começaram a testar frotas de dez caminhões no ano passado. Segundo o responsável, os veículos autônomos serão operados em rotas bem definidas, o que facilitará a sua expansão antes dos carros de passageiros.
          “Talvez até seja possível uma faixa especial só para caminhões robô”, sugeriu Shinohara. Do ponto de vista da percepção do ambiente circundante, as autoestradas serão menos problemáticas para os sensores – se circularem na faixa da direita, os caminhões autônomos vão comportar-se de forma semelhança ao nível 3 de automação de um carro de passageiros, uma espécie de “piloto de autoestrada.”
          Shinohara prevê mais testes nas estradas “nos próximos 3 a 5 anos”, mas gigantes como a Amazon não vão esperar: o retalhista começou a testar o transporte de encomendas com caminhões Peterbilt modificados por uma startup chamada Embark no início de 2019. A tecnologia tem diversas vantagens – aumenta a segurança dos condutores de pesados, acelera as rotas de transporte e resolve a escassez de recursos humanos para um segmento que é duro e tem riscos.
          Alex Rodrigues, de 23 anos, que é CEO da Embark, acredita que o seu modelo de negócio vai criar mais empregos no segmento de caminhões. A startup está testando entregas para a Frigidaire, além da Amazon, e vê os caminhões autônomos como uma nova era de parceria hom-máquina. A sua tecnologia funciona bem nas autoestradas, onde a complexidade da condução é menor, e depois requer condutores humanos ao volante em zonas mais sensíveis, perto de cidades.
           “A nossa visão é pegar as rotas de longo-curso, que normalmente seriam feitas por uma pessoa durante três dias, e parti-las em três”, explicou o CEO no TechCrunch Disrupt. A porção da autoestrada será totalmente percorrida por caminhões autônomos, entre pontos de distribuição onde condutores humanos pegarão na rota. Vantagens? Nenhuma restrição de tempo de condução, maior eficiência, maior segurança, zero cansaço.
           O tempo de entrega de mercadorias poderá ser substancialmente reduzido, algo que é crucial para empresas como a Amazon. Também poderá ter custos inferiores à medida que houver escala, porque um caminhão autônomo não precisa dormir.  É disso que fala também a TuSimple, que já tem 400 empregados a desenvolver o sistema. A empresa é uma das mais proeminentes tecnológicas neste espaço, motivo pelo qual recebeu uma ronda de financiamento de 84 milhões de euros em fevereiro. Com este novo investimento, liderado pela Sina Corp., totalizou 157 milhões de euros de financiamento levantado em três anos – incluindo uma injeção de capital por parte da fabricante de microprocessadores Nvidia.
          É um sinal claro do entusiasmo dos investidores quanto ao potencial do mercado, que verá caminhões de diversas construtoras e tecnológicas a acelerarem na estrada. A Ike, por exemplo, é uma startup criada  em outubro de 2018 e logo em fevereiro de 2019 levantou 46 milhões de euros em financiamento Série A, com a Bain Capital Ventures a liderar a ronda. A Embark recebeu 27 milhões de euros no verão passado, numa Série B que teve à cabeça a Sequoia Capital e a participação da aceleradora YCombinator. Há ainda outros aspirantes a deixar a sua marca na estrada, como a Starsky Robotics, que no início de 2018 levantou 15 milhões de euros numa Série A que a Shasta Ventures liderou.
          Também é preciso contar com a Pronto.ai do infame Anthony Levandowski, o engenheiro que foi acusado de roubar propriedade intelectual quando saiu da Google para fundar a Otto, mais tarde comprada pela Uber. Talvez devido aos problemas legais, ou simplesmente para se focar no transporte de passageiros, a Uber acabou por abandonar os planos de construção de caminhões autônomos para o transporte de mercadorias e Levandowski fundou uma nova empresa.

          A lista de construtoras que estão a investir em caminhões autônomos não termina por aqui. A Mercedez-Benz está desenvolvendo o “pesado de longo curso do futuro”, apontando para 2025 como o ano em que estará em pleno funcionamento. A Waymo, subsidiária da Alphabet/Google, é provavelmente a empresa que tem atraído mais atenção mediática, pela casa-mãe a que pertence e o estado avançado da sua tecnologia de condução autônoma. A entrega de encomendas transportadas por caminhões autônomos Waymo começou a ser testada há cerca de um ano, em Atlanta, depois de testes na estrada iniciados no verão de 2019. E há ainda que considerar a ambição de Elon Musk, que pretende lançar os caminhões 100% elétricos e com elevado grau de condução autônoma Tesla Semi já este ano.
          As centenas de milhões de euros e milhares de engenheiros e especialistas que estão se dedicando a este mercado verão muitos sucessos e fracassos antes que os caminhões autônomos se tornem uma realidade. “Eventualmente, o mercado terá mais fornecedores de soluções, mas penso que nestes primeiros anos apenas uma ou duas empresas vão conseguir atingir autonomia de nível comercial”, considera Robert Brown. “É muito difícil atingir o nível quatro.”
          O vice-presidente e fellow da Gartner, David Cearley disse na última ITExpo que a autonomia é uma das tendências estratégicas para 2019. “As coisas autónomas, como robôs, drones e veículos, utilizam inteligência artificial para automatizar funções anteriormente executadas por humanos”, sintetizou. “No mercado de entregas, a solução mais eficaz poderá ser utilizar um veículo autônomo para levar as encomendas, sendo que robôs e drones a bordo do veículo poderão assegurar a entrega final da parcela”, sugeriu. É provável que este seja um dos modelos usados, coexistindo com outras soluções inovadoras que vão mudar a forma como as mercadorias são transportadas e entregues.
          Ainda assim, sabe-se que uma transformação massiva levará bastante tempo, tendo em conta o custo deste tipo de veículos, a dimensão gigantesca das frotas que serão substituídas e a própria complexidade da tecnologia, como avisa Brown. Mas o futuro já se vê hoje nas estradas dos Estados Unidos. E é capaz de chegar mais cedo que o que se imagina aos outros cantos do mundo.

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