Os
caminhões brancos e verdes da TuSimple seguem o que aparenta ser uma linha
normal no transporte de encomendas na Auto Estrada Interestadual 10, que vai da
costa da Califórnia até a Flórida. Mas as centenas de quilômetros por onde
estes veículos pesados circulam, incluindo as montanhas do Arizona, fazem parte
da primeira rota de condução 100% autônoma que está sendo testada pela startup.
Com sede em San Diego, a TuSimple desenvolveu
um sistema de autonomia que foi aplicado a caminhões Peterbilt e está sendo
utilizada na estrada, fazendo entregas diárias de encomendas para cerca de uma
dúzia de clientes. A cabine dos veículos não vai vazia – algo que certamente
assustaria os outros condutores na estrada – mas os dois profissionais que vão
sentados atrás do volante não tocam nos instrumentos.
Os Peterbilt com tecnologia TuSimple
têm autonomia de nível 4 e conseguem andar sozinhos até em condições de
tempestade. Em breve, os caminhões chegarão ao Texas. E dentro de poucos anos,
acreditam os criadores da startup, estarão em todo o mundo.
“Nossa equipe desenhou um sistema de
percepção sem igual, que pode ‘ver’ até um quilômetro à frente com sol ou chuva”,
explicou o diretor de relações públicas da TuSimple, Robert Brown. “O caminho
que vemos para a comercialização é muito claro”, calculou. A ambição da empresa
é ser a líder no segmento de caminhões de transporte autônomos, um mercado que
ainda não existe e já tem múltiplos pretendentes.
Apesar de os carros de passageiros
sem condutor serem mais atrativos em termos midiáticos, é na entrega de
encomendas e transporte de mercadorias que estão sendo feitos mais progressos e
onde existe um caminho aberto para a massificação, entende Brown.
A RoboSense, que desenvolve sistemas
de percepção visual LiDAR, tem um acordo com a empresa de logística Cainiao, do
grupo Alibaba, que está usando caminhões autônomos para entregas. O projeto de
“logística inteligente” que está em curso terá uma expansão fenomenal nos
próximos três anos, com a aquisição já contratada de 100 mil sistemas LiDAR,
mostrando a intensidade do investimento, garante a empresa.
“Em comparação com o ‘táxi robô’,
acho que o ‘caminhão robô’ chegará mais cedo e mais facilmente à
industrialização”, prognosticou Leilei Shinohara, vice-presidente de I&D da
RoboSense. Além da Cainiao, alguns dos parceiros da empresa começaram a testar
frotas de dez caminhões no ano passado. Segundo o responsável, os veículos autônomos
serão operados em rotas bem definidas, o que facilitará a sua expansão antes
dos carros de passageiros.
“Talvez até seja possível uma faixa
especial só para caminhões robô”, sugeriu Shinohara. Do ponto de vista da percepção
do ambiente circundante, as autoestradas serão menos problemáticas para os
sensores – se circularem na faixa da direita, os caminhões autônomos vão
comportar-se de forma semelhança ao nível 3 de automação de um carro de
passageiros, uma espécie de “piloto de autoestrada.”
Shinohara prevê mais testes nas
estradas “nos próximos 3 a 5 anos”, mas gigantes como a Amazon não vão esperar:
o retalhista começou a testar o transporte de encomendas com caminhões
Peterbilt modificados por uma startup chamada Embark no início de 2019. A
tecnologia tem diversas vantagens – aumenta a segurança dos condutores de
pesados, acelera as rotas de transporte e resolve a escassez de recursos
humanos para um segmento que é duro e tem riscos.
Alex Rodrigues, de 23 anos, que é CEO
da Embark, acredita que o seu modelo de negócio vai criar mais empregos no
segmento de caminhões. A startup está testando entregas para a Frigidaire, além
da Amazon, e vê os caminhões autônomos como uma nova era de parceria hom-máquina.
A sua tecnologia funciona bem nas autoestradas, onde a complexidade da condução
é menor, e depois requer condutores humanos ao volante em zonas mais sensíveis,
perto de cidades.
“A nossa visão é pegar as rotas de
longo-curso, que normalmente seriam feitas por uma pessoa durante três dias, e
parti-las em três”, explicou o CEO no TechCrunch Disrupt. A porção da
autoestrada será totalmente percorrida por caminhões autônomos, entre pontos de
distribuição onde condutores humanos pegarão na rota. Vantagens? Nenhuma
restrição de tempo de condução, maior eficiência, maior segurança, zero
cansaço.
O tempo de entrega de mercadorias poderá ser
substancialmente reduzido, algo que é crucial para empresas como a Amazon.
Também poderá ter custos inferiores à medida que houver escala, porque um caminhão
autônomo não precisa dormir. É disso que fala também a TuSimple, que já
tem 400 empregados a desenvolver o sistema. A empresa é uma das mais
proeminentes tecnológicas neste espaço, motivo pelo qual recebeu uma ronda de
financiamento de 84 milhões de euros em fevereiro. Com este novo investimento,
liderado pela Sina Corp., totalizou 157 milhões de euros de financiamento
levantado em três anos – incluindo uma injeção de capital por parte da
fabricante de microprocessadores Nvidia.
É um sinal claro do entusiasmo dos
investidores quanto ao potencial do mercado, que verá caminhões de diversas
construtoras e tecnológicas a acelerarem na estrada. A Ike, por exemplo, é uma
startup criada em outubro de 2018 e logo
em fevereiro de 2019 levantou 46 milhões de euros em financiamento Série A, com
a Bain Capital Ventures a liderar a ronda. A Embark recebeu 27 milhões de euros
no verão passado, numa Série B que teve à cabeça a Sequoia Capital e a
participação da aceleradora YCombinator. Há ainda outros aspirantes a deixar a
sua marca na estrada, como a Starsky Robotics, que no início de 2018 levantou
15 milhões de euros numa Série A que a Shasta Ventures liderou.
Também é preciso contar com a
Pronto.ai do infame Anthony Levandowski, o engenheiro que foi acusado de roubar
propriedade intelectual quando saiu da Google para fundar a Otto, mais tarde
comprada pela Uber. Talvez devido aos problemas legais, ou simplesmente para se
focar no transporte de passageiros, a Uber acabou por abandonar os planos de
construção de caminhões autônomos para o transporte de mercadorias e
Levandowski fundou uma nova empresa.
A lista de construtoras que estão a investir em caminhões autônomos não termina por aqui. A Mercedez-Benz está desenvolvendo o “pesado de longo curso do futuro”, apontando para 2025 como o ano em que estará em pleno funcionamento. A Waymo, subsidiária da Alphabet/Google, é provavelmente a empresa que tem atraído mais atenção mediática, pela casa-mãe a que pertence e o estado avançado da sua tecnologia de condução autônoma. A entrega de encomendas transportadas por caminhões autônomos Waymo começou a ser testada há cerca de um ano, em Atlanta, depois de testes na estrada iniciados no verão de 2019. E há ainda que considerar a ambição de Elon Musk, que pretende lançar os caminhões 100% elétricos e com elevado grau de condução autônoma Tesla Semi já este ano.
As centenas de milhões de euros e
milhares de engenheiros e especialistas que estão se dedicando a este mercado
verão muitos sucessos e fracassos antes que os caminhões autônomos se tornem
uma realidade. “Eventualmente, o mercado terá mais fornecedores de soluções,
mas penso que nestes primeiros anos apenas uma ou duas empresas vão conseguir
atingir autonomia de nível comercial”, considera Robert Brown. “É muito difícil
atingir o nível quatro.”
O vice-presidente e fellow da
Gartner, David Cearley disse na última ITExpo que a autonomia é uma das
tendências estratégicas para 2019. “As coisas autónomas, como robôs, drones e
veículos, utilizam inteligência artificial para automatizar funções
anteriormente executadas por humanos”, sintetizou. “No mercado de entregas, a
solução mais eficaz poderá ser utilizar um veículo autônomo para levar as
encomendas, sendo que robôs e drones a bordo do veículo poderão assegurar a
entrega final da parcela”, sugeriu. É provável que este seja um dos modelos
usados, coexistindo com outras soluções inovadoras que vão mudar a forma como
as mercadorias são transportadas e entregues.
Ainda assim, sabe-se que uma
transformação massiva levará bastante tempo, tendo em conta o custo deste tipo
de veículos, a dimensão gigantesca das frotas que serão substituídas e a
própria complexidade da tecnologia, como avisa Brown. Mas o futuro já se vê
hoje nas estradas dos Estados Unidos. E é capaz de chegar mais cedo que o que
se imagina aos outros cantos do mundo.
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