segunda-feira, 22 de abril de 2019

Entrada do Brasil na OCDE terá impacto tributário nas transferências internacionais


          A declaração do presidente Donald Trump em apoio à entrada do Brasil na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) foi um passo importante para o nosso país. Embora, no mais alto estilo norte-americano de negociação, ele tenha solicitado em troca uma mudança do status brasileiro na OMC (Organização Mundial do Comércio).
          Quais seriam os frutos que potencialmente poderiam ser colhidos pelo Brasil caso      seja realmente aprovado seu ingresso formal na OCDE? A consequência imediata é o aumento da confiança dos investidores no governo e na nossa economia. Esse movimento é transmitido pelo “selo” da OCDE quando “estampado” na comunicação internacional de qualquer país. A entidade é geralmente referida como sendo o “clube dos ricos”, e os países-membros se declaram comprometidos com a democracia e a economia de mercado.
           Embora não se tenha certeza quanto à imediata correlação entre adesão e atração de investimentos, nem quanto às demais possíveis vantagens em obtermos a membership, o fato é que o Brasil já participa, como membro do G20, em vários comitês especializados da OCDE. O país é também participante ativo do chamado BEPS Project – Base Erosion and Profit Shifting, um conjunto de ações voltado para combater a evasão fiscal e a transferência artificial de lucros de países com alta tributação para países com baixa ou nenhuma tributação.
          Entre os requisitos para a adesão está o compromisso do Brasil com os Selected OECD Legal Instruments and Standards, que são diretrizes da entidade a serem atendidas pelos países-membros. Há as obrigações não vinculantes e as que são vinculantes – dentre elas, se encontra a de seguir os guidelines funcionais estabelecidos para as empresas multinacionais.
           Um deles é o Capítulo 1 das Diretrizes de Preços de Transferência da OCDE, que reconhece o chamado Arm’s Length Standard (ALS) como o padrão internacional aplicável aos preços de transferência, acordado pelas nações que integram a organização para ser usado para fins tributários por grupos empresariais relacionados e administrações fiscais.
          Resumidamente, esse princípio preconiza que, nas vendas cross-border efetuadas entre empresas relacionadas – em geral coligadas ou controladoras e controladas – o valor a ser praticado seja equivalente ao que seria empregado na venda a uma parte não relacionada. O que tem como objetivo evitar perda de arrecadação ou o chamado profit shifting, ou seja, a transferência dos lucros de um país com alta tributação para outro com baixa ou nenhuma aplicação de imposto.
           A Lei de Preços de Transferência no Brasil é conhecida por suas características singulares e, diferentemente dos países que integram a OCDE, a precificação de transferência por aqui não se baseia no ALS. Os métodos são transacionais e os indicadores de lucro são determinados por leis e regulamentos, exigindo que os sistemas contábeis identifiquem e segreguem, transação por transação, os diferentes produtos. E há alguns procedimentos que incluem os custos e despesas domésticos e de importação associados a itens revendidos. A divergência de regras de preços de transferência aqui e em outras nações pode levar a casos de dupla tributação.
          Apesar de todas essas complexidades, porém, o mecanismo brasileiro está incluído no Manual Prático das Nações Unidas sobre Preços de Transferência para Países em Desenvolvimento a partir da versão de 2013, e vem adquirindo defensores ao longo do tempo.
           As perguntas, portanto, seriam as seguintes: o Brasil irá alterar sua legislação sobre preços de transferência para se adequar ao ALS? E mais: essas hipotéticas mudanças legislativas indicariam concorrência fiscal internacional, uma vez que o objetivo claramente declarado é atrair investimentos estrangeiros? O Brasil, nesse caso, “enfraqueceria” sua “soberania tributária”, pois modificaria um sistema que está funcionando relativamente bem – e o ALS é notoriamente problemático – apenas para ingressar na organização? Quais seriam as alternativas para se encontrar uma solução negociada com a OCDE neste tópico? A OCDE abrirá uma exceção apenas para o Brasil a fim de que continuemos a não utilizar o ALS?
           Ainda que não haja respostas para essas indagações, o intuito não é estimular o desânimo, tampouco desmerecer o esforço do importante passo que está sendo construído. Mas é ponderoso refletir sobre todos os aspectos pertinentes, sobretudo porque estamos acostumados a participar de clubes em que somos o mais rico dos pobres, e passaremos, eventualmente, a participar de um em que seremos o mais pobre dos ricos.

*Advogado, especialista em Direito Tributário

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