sexta-feira, 29 de abril de 2016

Advogado diz que mercado apertado torna vital cláusulas de ressarcimento nos seguros marítimos




         O advogado Christian Smera analisou as normas e regras do direito marítimo internacional em palestra no encontro mensal do CIST (Clube Internacional de Seguro de Transportes). À plateia, formada por profissionais de seguros de transportes, entre seguradores, corretores de seguros e prestadores de serviços, ele apresentou casos de sinistros envolvendo navios de transporte e comentou particularidades dos contratos brasileiros e internacionais.
          “Em maior ou menor medida, todos que estão aqui entendem um pouco de normas e regras do direito marítimo internacional, avaria grossa etc. Existe uma beleza em trabalhar neste ramo por envolver tantos e tão ricos universos. E nesse setor, os estrangeiros nos veem com muita competência, proficiência e expertise”, ponderou o jurista, que é especialista em Direito Marítimo Internacional.
          O primeiro caso examinado foi a colisão de dois navios porta-contêineres ocorrida na Malásia em 28 de outubro de 2014, que chamou a atenção para a importância do seguro de transporte internacional. O acidente ocorreu em manobra de entrada do navio San Felipe no Porto de Klang, quando colidiu com o navio Al Riffa, que se encontrava atracado e operando.
         “Era a viagem inaugural de um navio maravilhoso, de última geração, transportador de 10 mil containers de 20 pés. Foi um erro de manobra. Teoricamente, um comandante de navio deveria ter experiência, mas pelas estatísticas, em 2006 existiam 4600 navios porta-contêineres no mundo, hoje, 10 anos depois, existem 28 mil. Onde foram formados esses 22 mil comandantes? É bastante complicado, não temos mais uma Escola de Sagres, os navios não são mais caravelas, são ‘monstros’ com uma série de dispositivos que ajudam na navegação, mas que precisam de um comandante”, avaliou Smera.
         Na batida, os contêineres com carga perigosa explodiram deixando 140 contêineres perdidos, quase todos destinados ao mercado brasileiro. O outro navio, que era maior ainda, também teve uma perda significativa, detalhou o advogado. “A regulação do sinistro no Brasil funciona da seguinte forma: o transportador recebeu a carga, tem dever de incolumidade, principio jurídico reparatório da estrita responsabilidade civil – o transportador errou, ele paga, a não ser que invoque excludentes. Só que a regra no exterior é oposta à nossa: quem nomeia o comandante do navio não é apenas o dono do casco, não apenas a empresa que explora a armação comercial do navio, mas o embarcador também. Quando entrega a carga você está nomeando-o seu preposto e dividindo o risco. E o que é combinado não é caro, está no contrato firmado por eles”, ensinou.
         “A diferença desse contrato é que o conhecimento marítimo é rigorosamente nulo no Brasil, é um contrato de imposição. O direito brasileiro afasta este tipo de contrato. Essa dicotomia entre países pode gerar dúvidas, discussões e processos”, esclareceu.
          Segundo o advogado, em um mercado apertado com a crise, as cláusulas de ressarcimento passam a ser vitais. “É preciso ter equilíbrio atuarial do seguro, não só pagar nem só receber, principalmente numa catástrofe como essa”, defendeu.
           Smera citou um caso, como o de maior repercussão nos últimos tempos. “A maior avaria grossa da história”. O grave acidente de navegação ocorreu no dia 25 de abril de 2015, envolvendo o navio Maersk Londrina, um porta-contêiners que faz a linha regular entre portos asiáticos e brasileiros, após escala em Tanjung Pelepas, na Malásia, com destino aos portos de Santos. O navio sofreu explosão seguida de incêndio no interior do porão nº 7 quando estava em trânsito no Oceano Índico, a cerca de 1.300 quilômetros das Ilhas Maurício. O comando de bordo solicitou assistência de salvamento à empresa Svitzer, sendo rebocado até Port Louis, nas Ilhas Maurício, onde houve o resfriamento e prosseguimento ao combate ao incêndio, contou.
         “Toda conduta onerosa, ou seja, tudo o que o comandante da embarcação gasta e sacrifica para salvar um navio em sinistro, com carga e combustível dele, tem o direito de repartir este custo. Se o sacrifício envolve jogar a carga para a água, o que se chama de alijamento, a carga que foi alijada para que o navio fosse salvo será paga por todo o condomínio (navio, carga, combustível)”, explicou.
         “O comprador fez uma encomenda de desinfetante da China, e que quem vendeu entregou uma mistura de hipoclorito de cálcio, absolutamente explosiva, que explode se estiver a mais de 55°. De modo a economizar em tarifa de frente porque carga perigosa é cobrada mais, embarcou como desinfetante. E houve o enorme azar de a equipe armazenar do lado da sala de máquina e das serpentinas de vapor. Foram perdidos 340 containers do mercado brasileiro, mais ou menos US$ 11 milhões”, relatou.
          “O armador do Maersk Londrina teve que contratar uma série de rebocadores para fazer o esfriamento, toda a assistência dada a esse navio no sentido de conter o incêndio entra na conta de rateio da avaria grossa. Como o navio estava afundando, prestes a explodir inteiro, o comandante resolveu alagar o porão, e quando encheu de água, o que não estava queimado ficou molhado. O que queimou é acidente, mas o que molhou é voluntario, é sacrifício, então é avaria grossa”, analisou.
         Outro caso apresentado foi o do navio Feeder, da libanesa Haidar, que tombou no cais do porto de Vila do Conde, em Barcarena, nordeste do Pará, carregando cerca de 5 mil bois vivos, no dia 06 de outubro de 2015.“O Feeder é um pequeno navio transportador de contêineres que foi transformado em um navio gaiola para transportar bois. Anualmente o Brasil exporta cerca de 8 milhões de gado vivo para a Venezuela e o Pará virou um grande pasto para isso. A carga é distribuída perfeitamente em gaiolas, mas o navio começou a adernar súbita e inexplicavelmente, e o navio virou.
          No mundo inteiro se qualquer carga viva falece não é responsabilidade do armador, isso é tido como um risco inerente, não existe culpabilidade nem ressarcimento. Se embarcou no navio está ciente que pode morrer. Exceto no Brasil, porque aqui se o transportador perder uma carga, seja uma máquina ou um boi, vai ter que pagar”, salientou.
          “A seguradora brasileira, neste sinistro, fica numa situação diferente. Além da diferença de regras entre os países, no momento do tombamento ainda não sido emitido o contrato de transporte, pois faltavam entrar 20 bois no navio e o contrato de transporte marítimo no Brasil é emitido quando o último ‘passageiro’ entra. Então a seguradora não estava implicada em qualquer norma. Mas isso vai dar uma disputa jurídica grande. Será que o subscritor desse risco sabia que em caso de sinistro envolvendo os bois não haveria o ressarcimento? Duvido e isso faz toda a diferença”, questionou.
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