Quando a
empresa de entregas Speedy implementou um novo sistema de análise preditiva
alimentado a Inteligência Artificial (IA), os seus custos baixaram perto de 9%
e a taxa de utilização da sua frota subiu de 72% para 82%. Foi uma diferença
importante para a empresa do DPDgroup, a segunda maior rede de entrega de
encomendas da Europa, e um caso de estudo para a fornecedora do sistema,
Transmetrics.
A plataforma que desenhou para a
logística faz uso de IA e algoritmos proprietários que permitem ajudar os
operadores em toda a linha – desde otimização da frota a planejamento de
capacidade sazonal. A empresa, que criou uma solução específica para o negócio
da Speedy, tem na lista de clientes várias companhias Fortune 500 e até está
interessada em expandir os seus negócios para o mercado português.
“Viajamos para Portugal várias vezes
nos últimos dois anos e falamos com vários clientes potenciais, tanto grandes
como pequenos”, revelou o CEO da Transmetrics, Asparuh Koev. “Há interesse e
acredito que eventualmente alguém tomará a dianteira e será o primeiro a levar
estes benefícios para o mercado local.”
É algo que já mexe no panorama
nacional, embora o tecido empresarial português seja composto sobretudo por
pequenas e médias empresas e a IA aplicada à logística esteja a ser mais
procurada pelos grandes operadores, que têm capacidade de investimento,
processos bem definidos e muitos dados para analisar. “Não é surpreendente,
porque a IA requer maturidade de processos, que existe nas grandes companhias,
e também, na fase inicial, investimento em inovação”, referiu Koev. Mas a
tendência está a tornar-se rapidamente global.
Trata-se de um novo mundo para as operações de
logística que tira partido de tecnologias que há poucos anos nem sequer
existiam. E há cada vez mais empresas a competirem para oferecer a melhor
combinação de Inteligência Artificial, Machine Learning, análise
preditiva e robótica para revolucionar a logística, desde as maiores
tecnológicas, como Oracle e Microsoft, às especialistas mais pequenas e
focadas, como a Transmetrics.
A procura justifica. De acordo com um novo relatório da Kenneth
Research, o mercado de Inteligência Artificial na cadeia de valor e logística
vai crescer 45,6% ao ano até 2025, ano em que valerá 10,157 milhões de dólares
(mais de 9 mil milhões de euros). É uma evolução notável tendo em conta que
este mesmo mercado valia 456,2 milhões de euros em 2017, que se deve sobretudo
à ascensão do Big Data, procura por maior visibilidade e transparência nos
dados e a necessidade de melhorar serviços e satisfação dos clientes.
“São cada vez mais frequentes as
empresas que realizam provas de conceito e experiências com estas tecnologias”,
afirma Francisco Rocha, senior manager da Capgemini Portugal.
“Tratando-se a logística de um negócio que gera uma quantidade muito
significativa de dados e informação, o seu domínio e exploração torna-se cada
vez mais relevante, e não seria exagero dizer que, quem melhor usufruir desse
importante ativo, melhor se posicionará para enfrentar os desafios do futuro”,
sublinhou o responsável.
A tendência está a ser notada, como
referido, não apenas entre as grandes empresas, mas também nos pequenos
operadores de nicho, porque “todos começam a entender as potencialidades da
tecnologia, nomeadamente para exponenciar a capacidade de cálculo e de análise
de dados em grandes volumes.”
Segundo os analistas da Kenneth
Research, aquilo que está a impedir o mercado de se desenvolver ainda mais
rapidamente é o número limitado de especialistas em IA, algo que decorre da já
crônica falta de recursos humanos na área tecnológica. Francisco Rocha nota que
“o ritmo galopante a que aparecem novas tecnologias dificulta a absorção de
conhecimento sobre as mesmas e sobre a sua utilidade”, o que atrasa o ritmo de
adoção.
“A grande dificuldade está em
perceber qual a melhor tecnologia para a necessidade específica que cada
empresa enfrenta em cada momento”, acrescenta, “tornando-se cada vez mais
essencial que as empresas disponham de uma rede de parceiros que as apoiem
nesse processo de modo a garantir os resultados esperados.”
Quais são esses resultados, os que as empresas
podem esperar? Tudo depende do tamanho da operação, da qualidade dos dados e
dos objetivos da implementação. As alterações podem beneficiar a operação nos
armazéns, o processo de entregas, a gestão de frotas, o planejamento de
capacidade, até a decisão de onde colocar o próximo armazém. De um modo geral,
a aplicação de Inteligência Artificial na logística permite otimizar processos,
alocar recursos de forma mais eficaz, automatizar tarefas e fazer uma gestão
preditiva em vários níveis. Há uma série de outras áreas relacionadas com esta
nova vaga de IA, entre as quais Internet das Coisas (IoT), de onde vêm grandes
volumes de dados, robótica, que está interligada, e Machine Learning,
que muitas vezes é colocado debaixo da grande tenda da Inteligência Artificial.
“A
utilização destas tecnologias está particularmente direcionada para lidar com a
análise e o tratamento de dados em grandes volumes, de modo a identificar
tendências e antecipar necessidades futuras”, explica Francisco Rocha. Todos os
processos em que se tenha de “dimensionar, selecionar, comprar ou estimar”
podem ser otimizados com a introdução destas tecnologias.
Mas como e por onde começar? A
seleção do fornecedor e do parceiro que ajudará na implementação é mais fácil
se a empresa já tiver um processo de transformação digital em curso, com foco
na recolha de dados de qualidade. A linha da frente, em termos de oferta, é a
esperada: a Microsoft tem o Azure AI, a Oracle tem a AI Apps, a IBM
disponibiliza o Watson Supply Chain, a SAP tem a plataforma Leonardo, e há um
número crescente de empresas inovadoras a entrar, como a portuguesa Huub, que
se dedica a logística para marcas de moda e tem uma componente forte de
Inteligência Artificial.
Transversal às soluções é a
importância dos dados, “o novo petróleo”, como lembra Daniel Duque, diretor de
serviços de vendas da Microsoft Portugal. O tratamento e processamento dos
dados permite “criar formas de otimizar os processos de armazenamento e de picking”,
enquanto a otimização de rotas, gestão preventiva e preditiva das frotas, o
planejamento de stock, as entregas e as encomendas vão beneficiar ou já
beneficiam dos novos algoritmos e capacidades de processamento e
autoaprendizagem (Machine Learning). A Microsoft tem na lista de
clientes que estão a usar Azure AI para logística alguns dos maiores nomes do
mercado, incluindo a Maersk, Linx, Shell, UPS, Uber e Rolls Royce.
O responsável de soluções de
engenharia da Oracle Portugal, João Borrego, sublinha que são os dados que
alimentam os algoritmos das plataformas. “Todo o sistema aprende e adapta-se
continuamente com base nos dados da empresa para otimizar resultados gerados
por IA que resolvem problemas empresariais reais”, sintetiza. Segundo o
especialista, são tecnologias que permitem otimizar decisões e automatizar
transações, simplificando a execução da cadeia de fornecimento. A Oracle “criou
processos de negócio unificados globais ajustados à cadeia de fornecimento do
século XXI”, afirma.
É possível também olhar para
tecnologias associadas, como Daniel Duque faz ao mencionar a Realidade
Aumentada, que podem beneficiar as operações de warehousing. “Os
funcionários que operam num armazém normalmente executam várias atividades na
gestão de encomendas: localizar o produto correto, digitalizá-lo, movê-lo e
entregá-lo na doca de carga”, explica. “No entanto, [se] imaginamos a
utilização de serviços cognitivos de visão, que automaticamente podem
identificar a localização de um produto, determinar se é o correto, se está disponível
para entrega, num ritmo e dinâmicas muito mais céleres comparadas com um ser
humano, compreendemos que também aqui a IA é um benefício.”
A robótica e automação permitirão,
por outro lado, otimizar as atividades repetitivas e gerar “um ganho substancial”
na produtividade e competitividade das empresas, garantiu o executivo da
Microsoft. Isto é algo que começa a acontecer com bons resultados, ainda que
estas aplicações estejam em fase embrionária. A consultora Tractica estima que
as remessas mundiais de robôs para armazéns e logística vai crescer rapidamente
durante os próximos cinco anos, de 194 mil unidades, em 2018, para 938 mil
unidades por ano, em 2022. Só nesta categoria, as receitas vão multiplicar-se
de 8,3 mil milhões de euros, em 2018, para 30,8 mil milhões de euros, em 2022,
oferecendo “oportunidades significativas” tanto para os players
estabelecidos como para os emergentes, segundo os dados da consultora.
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