O despachante aduaneiro Luís Fernando Figurelli trabalhou 25 anos em um espaço no histórico prédio que posteriormente se transformou na sede da Delegacia do Sdaergs (Sindicato dos Despachantes Aduaneiros do Estado do Rio Grande do Sul), em Rio Grande. "Mais da metade da minha vida profissional passei naquele ambiente, junto com dirigentes da categoria e saudosos colegas como Carlos Lapuente Baptista, Tilmar Madeira e Abel das Neves", relembrou, emocionado. Situado na Rua Marechal Floriano, no Centro da cidade que abriga o único porto marítimo gaúcho, a construção faz jus à reverência. Erguido nas primeiras décadas do século passado, fundiu harmoniosamente os estilos Neoclássico e Art-Dêco.
Mais jovem, o despachante aduaneiro José Aires Abrão começou a frequentar o sobrado em 1980, ano da fundação da sua empresa. "O interior era cheio de divisórias de madeira, os despachantes mais antigos da época mantinham seus escritórios lá, pagando um aluguel simbólico à entidade, para ajudar na manutenção e assim manter o prédio funcionando, ainda que em estado precário, e conservar sua sobrevivência," contou. "Havia uma escada interna que conduzia ao segundo andar, já em ruínas, com seus degraus destruídos pelo uso e pelo cupim, e um corrimão, no qual não se podia pegar, porque a aparência não transmitia nenhuma confiança," confessou Abrão.
Mas, apesar do passado decadente, que persistiu até a reforma realizada no final dos anos noventa que, inclusive, acrescentou ganhos significativos ao edifício, Abrão ressalva que "ele sempre foi um dos prédios de mais destaque na principal artéria do centro histórico da cidade". Graças ao seu charme e a sua qualificada infraestrutura, depois de restaurado o local foi utilizado diversas vezes para sediar eventos importantes. "O Sdaergs já cedeu a sua sede para grandes reuniões de órgãos federais, como a Receita Federal e o Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária) e recebeu uma assembleia geral da Federação Nacional dos Despachantes Aduaneiros", relata o empresário.
Fernando Figurelli igualmente mantém uma relação afetuosa com o prédio. "Guardo muito boas lembranças dele, foi ali que praticamente iniciei minhas atividades, primeiro como ajudante de despachante do meu pai, Oswaldo, depois nomeado despachante aduaneiro pela Receita Federal, em 1968", conta. "Como estava em expansão, o escritório locou a área que sediava a agência do Bamerindus e tive a feliz oportunidade de estar sempre bem próximo ao Sindicato e da atividade sindical", enfatiza, citando, como Abrão, que "outros despachantes aduaneiros tradicionais também ocupavam unidades no prédio, estabelecendo uma interessante convivência".
Próximo de completar três décadas na profissão, Adalmir Amaral Corrêa busca na memória a época em que começou a trabalhar em uma sala na (depois) sede do Sdaergs em Rio Grande. "Comecei minha trajetória como ajudante, em 1992, e despachante aduaneiro, nomeado em 1995, exatamente neste prédio". Assim como Figurelli, Corrêa igualmente recorda da convivência que teve com todos estes nomes históricos do Despacho Aduaneiro na cidade portuária, especialmente Carlos Lapuente Baptista. "Ele ensinou praticamente tudo para que eu pudesse ser um despachante", destaca.
Corrêa guarda muitas lembranças do prédio, uma insólita, envolvendo o já citado acesso interno. "Era um tempo muito bom", diz, saudoso. "A escada que levava ao andar de cima, onde ficava nossa sala, era toda de madeira e cada pessoa que chegava nem precisava de campainha para se anunciar, pois o ranger dos degraus denunciava a chegada", revela. Figurelli também saca do baú da memória um diferencial que chamava a atenção. "O pátio interno, nos fundos, impressionava e causava surpresa nos visitantes, poucos imaginavam uma área verde privada e bem cuidada bem no centro da cidade, como havia ali", observa, elogiando a funcionária Nely Freitas, que "mantinha o lugar como se fora seu jardim particular".
O prédio foi comprado em 1952 pela antiga Caixa de Previdência do Sdarg (Sindicato dos Despachantes Aduaneiros de Rio Grande), para servir de sede da entidade, e de escritório para alguns associados, além de ter alguns alguns espaços alugados para empresas. Em 1996, o então presidente do Sindicato dos Despachantes Aduaneiros de Porto Alegre, Erni Severo da Gama, liderou o processo que levou à fusão das duas organizações, originando o Sdaergs, que estimulou o fortalecimento da categoria na região Sul do Estado e, gradativamente, em todo o Rio Grande do Sul - hoje, em virtude de circunstâncias, a Delegacia da entidade não está utilizando o local.
A propósito da unificação que resultou na criação do Sdaergs, José Abrão revela um episódio interessante e decisivo. "Quando me tornei sócio do Sdarg, em uma viagem à Brasília para uma assembleia da Federação Nacional dos Despachantes Aduaneiros, a bordo do avião, enquanto conversávamos a respeito da classe, na busca de melhorias, perguntei ao então presidente do Sindicato da categoria em Porto Alegre: Erni, porquê não unificar as entidades? Ele achou a sugestão excelente, apertou minha mão e me parabenizou". A partir deste diálogo, segundo o despachante aduaneiro, o "imortal" (como o reverencia Abrão) seguiu em frente colocando a proposta em prática. "Desculpem colegas, mas a ideia foi minha e consta em ata", brinca o empresário.
Na época da unificação, o sobrado precisava de reparos e acabou passando por uma profunda reforma, com o restauro e ampliação das instalações. "Em março de 2003, foi inaugurada a nova sede, agora do Sdaergs, com pompa e circunstância", bradou Figurelli, orgulhoso. "A partir daquela data, os despachantes aduaneiros entregavam à comunidade rio-grandina um prédio completamente restaurado e pronto para o uso dos seus associados", afirmou o experiente profissional. A importância do local pode ser medida também pelo fato de ter sediado várias edições do Prêmio Memória da Arquitetura, promovido pelo IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil) Rio Grande. Mais do que isto, em uma das suas edições, o edifício foi distinguido com o Prêmio.
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