O
Estaleiro Atlântico Sul (EAS), um dos símbolos da recente tentativa de retomada
da indústria naval brasileira, suspendeu nesta sexta-feira, 9, suas atividades
por tempo indeterminado em Ipojuca (PE). Apesar das dificuldades, os
controladores, os grupos Camargo Corrêa e Queiroz Galvão, afirmaram que
pretendem garantir o futuro do estaleiro e o primeiro passo é renegociar dívida
de R$ 1 bilhão com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), o principal credor.
Neste sábado, 10, vence uma parcela
de R$ 20 milhões do estaleiro com o banco, que deverá ser paga na próxima
segunda-feira, informou uma fonte ligada à empresa. O estaleiro tem hoje em
caixa R$ 160 milhões, o que lhe garante sobrevida. O problema é que o EAS está
paralisado desde o fim de junho e sem carteira de encomendas capaz de lhe
garantir geração de receitas. O último navio construído em suas instalações,
parte de uma série de Aframax, foi entregue à Transpetro, subsidiária de
logística da Petrobras, em 24 de junho. Em julho, o EAS demitiu a maior parte
do seu pessoal em Ipojuca.
Em 2014, o estaleiro chegou a ter 6 mil funcionários diretos e mais mil
terceirizados. Desde 2015, vinha trabalhando com 3,6 mil empregados, e
conseguiu aumentar os índices de produtividade, embora não tenha tido sucesso
na renovação da carteira de encomendas. Apesar dos ganhos de produtividade, os
custos para se fazer navios no Brasil, como porta-contêineres, continuam mais
altos do que na Ásia. Restam menos de 150 pessoas no estaleiro, segundo uma
fonte próxima, e a tendência é que permaneçam somente cerca de 30 pessoas para
fazer a manutenção das instalações.
O futuro do estaleiro, portanto, é de
incerteza. Há vários cenários sobre a mesa. Uma recuperação judicial não está
descartada, embora essa decisão possa não ser a mais indicada por força de seus
reflexos sobre os próprios controladores. Outra fonte afirmou que o estaleiro
pode tentar vender ativos e usar o dinheiro para pagar parte da dívida
bancária. O total da dívida é de R$ 1,1 bilhão, sendo R$ 1 bilhão somente com o
BNDES.
Desse total, R$ 800 milhões têm
garantias corporativas dadas por Camargo Corrêa (50%) e Queiroz Galvão (50%).
Os controladores estariam contratando consultoria financeira especializada em
reestruturação de empresas para ajudá-los nas negociações. Em uma etapa
anterior das discussões, chegou a ser apresentada proposta segundo a qual o
BNDES aceitava dar dois anos de carência e mais 18 anos para pagamento da
dívida desde que a Camargo Corrêa apresentasse garantias reais. Hoje a maior
parte da dívida do grupo com o banco relacionado ao EAS tem garantias, com
exceção de um contrato feito pelo estaleiro.
Segundo fontes do mercado, o fato de
duas subsidiárias da Queiroz Galvão Energia (QGE) estarem em recuperação
judicial fez com que coubesse à Camargo Corrêa bancar as garantias, mas o grupo
não quis aumentar a sua exposição. Mesmo assim, o BNDES vem discutindo a dívida
do EAS com os controladores, e existe certo conforto do banco de que as
garantias existentes são robustas, acima da exposição financeira.
Enquanto renegociam a dívida com o
BNDES, os controladores do EAS tentam viabilizar encomendas. Essa discussão
também passa por uma eventual venda do estaleiro para um novo operador. A mesma
fonte disse, no entanto, que a oportunidade de uma operação de fusão e
aquisição depende da renegociação da dívida do estaleiro. Nos últimos anos, sob o comando de
Harro Burmann, presidente do EAS que teve seu contrato encerrado em 31 de
julho, o estaleiro esteve envolvido em discussões com a Satco, que tinha
interesse na aquisição da empresa. As discussões não evoluíram. A Satco também
tentou, sem sucesso, viabilizar a construção de navios no EAS. Burmann foi
substituído na presidência do EAS por Nicole Mattar, que era diretora jurídica
do estaleiro.
Mais recentemente, o EAS se engajou
em tratativas com empresas brasileiras que operam na navegação de cabotagem. A
expectativa é de que essas negociações poderiam garantir a construção de quatro
navios de contêineres, sendo dois para a Mercosul Line e dois para a Aliança
Navegação e Logística.
As discussões não chegaram a se
transformar, porém, em encomendas firmes em um cenário em que a indústria naval
brasileira vive a expectativa de uma medida provisória que deve facilitar a
importação de navios novos e usados. Nesse contexto, haveria mais demanda para
os estaleiros nacionais na área de reparos, negócio que gera baixo retorno para
um estaleiro de grande porte como o EAS. O EAS diz que vem procurando
alternativas para continuar suas operações. "As tratativas com os
interessados estão em fase de desenvolvimento, portanto ainda não firmes."
No fim de 2018, o EAS tinha em caixa
R$ 205 milhões, o que lhe garante certo fôlego. No entanto, a empresa não nega
que possa recorrer a um pedido de recuperação judicial para renegociar a dívida
total de R$ 1,1 bilhão. "A diretoria do EAS continua a trabalhar com o
objetivo de encontrar um caminho que melhor atenda aos interesses da companhia
e seus stakeholders, incluindo acionistas, agentes financeiros, e a comunidade
pernambucana", disse o EAS, quando questionado sobre a possibilidade de
recuperação judicial.
Desde que foi criado, em 2005, o EAS
acumula prejuízo de mais de R$ 1 bilhão. Os sócios vinham injetando capital na
companhia sucessivamente para garantir as operações e honrar cláusulas
contratuais com bancos. Apesar do cenário hostil, a empresa apresentou, nos
últimos anos, melhorias operacionais. Antes da despesas com juros e impostos, o
EAS apresentou lucro de R$ 38,4 milhões em 2018, ganho totalmente consumido por
uma despesa financeira (com encargos da dívida), que somou mais de R$ 108
milhões. No fim das contas, o EAS teve prejuízo líquido de R$ 70,1 milhões em
2018.
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