sexta-feira, 13 de maio de 2016

Terminais querem prorrogar prazo para exploração de áreas ocupadas sem licitação


         Alguns dos grupos que operam instalações portuárias, com contratos vencidos ou prestes a vencer, os chamados "pré-1993", estão se articulando para tentar uma solução no governo de Michel Temer (PMDB), que teve ascendência nos portos - em particular no de Santos (SP), na segunda metade da década de 1990. Representados pela Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP), ao menos 20 terminais em vários portos do país voltarão à carga para tentar ganhar mais prazo para continuar explorando as áreas da União nos portos - que ocupam sem terem passado por licitação. Algumas empresas não vinculadas à entidade também o farão.
         A regra da licitação como crivo para explorar área em porto público só foi estabelecida em 1993, com a primeira lei do setor. Os contratos antigos, que eram geralmente válidos por dez anos, deveriam ser adaptados a ela em até 180 dias. As empresas sustentam que o termo "adaptação" significava, entre outros, estender o contrato pelo prazo determinado pela nova lei de 1993 - até 25 anos -, mas que isso não foi feito.
         "Pedimos reunião com o presidente Michel Temer e com o chefe da Casa Civil Eliseu Padilha para falar disso e de outros assuntos do setor", disse o presidente da ABTP, Wilen Manteli. A audiência havia sido solicitada antes da posse de Temer no Planalto e a demanda agora deverá ser tratada com o ministro dos Transportes, Maurício Quintella. A tese é fazer investimentos nas áreas e ganhar o tempo necessário para amortizá-los, desde que não exceda 25 anos - o prazo máximo da Lei dos Portos.
         Segundo fontes, PMDB seria mais permeável à concessão de um prazo adicional às empresas. Na conversão da MP dos Portos em lei, em 2013, houve várias emendas que davam mais tempo para esses contratos. Sobreviveu uma, mas a agora presidente afastada Dilma Rousseff a vetou.
          As empresas, contudo, nunca se deram por vencidas. Tentaram aprovar uma saída nas gestões dos ex-ministros dos Portos Edinho Araújo - com menos intensidade - e na de Helder Barbalho, ambos do PMDB. O pleito chegou no segundo semestre do ano passado à Casa Civil, mas não avançou.
Se adotada, a medida desidratará o programa de arrendamentos portuários, pois nas 93 áreas previstas para irem a leilão há ao menos 20 terrenos de contratos pré-1993. Algumas áreas foram aglutinadas nos editais para formar terminais maiores, com ganho de escala, como é ao redor do mundo.
         Eliseu Padilha foi ministro dos Transportes de 1997 a 2001, quando foram feitas as primeiras licitações portuárias e se cunhou o termo "favelização" para designar alguns trechos de alguns portos. O termo, popularizado nos anos 90, se refere ao fatiamento de áreas concedidas sem planejamento, que gerou pequenos terminais. 
         Foi a época que o PMDB mais teve ascendência em Santos. O então deputado federal Michel Temer avalizou nomes para a presidência da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), a estatal que administra as terras da União no porto de Santos. O mais longevo foi Marcelo de Azeredo (1995-1998), que depois foi morar nos Estados Unidos.
         Em 1999, o então presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães, atacou Temer, numa das brigas que ambos travaram. "Se abrir um inquérito no porto de Santos, ele ficará péssimo", disse ACM, conforme relatos da época. Procurado, a assessoria de Temer informou: "Todas denúncias sobre a Codesp envolvendo Michel Temer foram arquivadas por absoluta falta de consistência e materialidade, após exame do Ministério Público Federal e anuência da Procuradoria Geral da República".
         A Codesp estava então sob investigação do Ministério Público e Tribunal de Contas da União (TCU). Em acórdão do TCU de 2002, sobre auditoria nos contratos de arrendamentos e serviços firmados pela estatal portuária, o TCU lista áreas concedidas sem licitação, mudança de objeto de contrato, troca de áreas e perdão de dívidas por parte da estatal - como no caso do navio cimenteiro "Heraclis Spirit", que zarpou sem que a empresa responsável por alugar o trecho de cais pagasse todas as tarifas à Codesp, gerando calote de R$ 7 milhões em 1998.
         Em outro caso, a estatal deixou de fazer licitação para exploração de dois armazéns e de um terminal. O TCU determinou que a Codesp realizasse a concorrência, mas isso nunca aconteceu. Em 2009 a corte reviu a posição e convalidou o contrato.
         A Codesp sempre foi, em maior ou menor medida, feudo político-partidário. Depois do PMDB transitou para as mãos do PR, no primeiro governo Lula. Com a criação da Secretaria de Portos (SEP), em 2007, os portos públicos saíram da esfera do Ministério dos Transportes. A SEP foi assumida pelo PSB e, no segundo governo Dilma, voltou para o PMDB. Abaixo da presidência, também as diretorias da Codesp eram ocupadas por indicados de partidos da base.
         A Codesp disse que os arrendamentos estão regulares, sustentou que "eventuais situações levantadas" pelo TCU estão sendo analisadas e que "se reserva de comentar decisões das gestões anteriores da empresa".
         Quando Wagner Rossi, também ligado a Temer, assumiu a Codesp em 2000, esses casos já tinham estourado. Rossi disse na ocasião que faria um pente fino em 50 contratos de arrendamentos e serviços para apurar eventuais irregularidades. "No que me competia dei seguimento aos procedimentos relativos às questões arroladas, muitas das quais foram objeto de processos judiciais. Não só não arquivei qualquer procedimento administrativo a eles referente como estimulei os órgãos competentes na administração da Codesp a dar continuidade rigorosa às apurações", disse ele. Segundo ele, Temer nunca lhe pediu nada nem qualquer outra autoridade tentou interferir em sua administração.
         Na gestão de Rossi, a Codesp pagou R$ 126 milhões à Previdência de dívida de empresas contratadas pelo porto de Santos. O caso foi objeto de julgamento judicial transitado em julgado, em desfavor dos que questionaram o acordo entre a estatal portuária e a Previdência.
         Mas foi em 1998, um pouco antes da gestão Rossi, que a Codesp, então sob presidência de Paulo Fernandes do Carmo, fechou o negócio que mais tarde seria a causa do maior passivo da estatal - o "caso Libra ", que se tornou a mais ruidosa novela do setor portuário.

          A Libra é uma empresa da família Borges Torrealba, do Rio de Janeiro, que tem atuação no porto de Santos desde 1995, quando arrematou sua primeira área no cais, o Terminal 37. O problema começa três anos depois, quando o grupo venceu a licitação para explorar o Terminal 35 ao oferecer à Codesp a melhor proposta: um valor dez vezes maior que o fixado no edital pelo aluguel da área; royalty por contêiner movimentado cinco vezes superior; e movimentação mínima quatro vezes acima do previsto. Ainda em 1998 a Libra começou a contestar as faturas alegando que recebera a área em desconformidade com o edital.
          A empresa deixou de pagá-las na íntegra e se tornou a maior devedora do porto, apesar de nunca reconhecê-lo ao argumentar que não recebeu o prometido. Passou a pagar o que considerava justo em juízo. "A Libra Terminais jamais esteve inadimplente. Durante todo o período de arrendamento, pagou os valores do T-35 em juízo, mensalmente e de forma regular, sempre cumprindo as decisões judiciais", disse a empresa em nota. Em 2014 o débito da Libra respondia por 94% do R$ 1,14 bilhão de contas a receber da
         Sem acordo entre as partes, a salvação para a Libra veio das mãos do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em 2013. O parlamentar conseguiu aprovar emenda na Lei dos Portos que, na prática, permitia a renovação de contratos de empresas inadimplentes desde que o débito fosse discutido em arbitragem, uma novidade. No dia 9 de junho de 2015 o governo baixou o decreto regulamentando a arbitragem portuária logo depois de anunciar a segunda fase do Programa de Investimentos em Logística (PIL), no Palácio do Planalto. Segundo fontes presentes no evento, de imediato o instrumento foi batizado de "decreto Libra".
         Três meses depois, a Libra assinou a arbitragem para debater o valor do débito que tem com a Codesp há 17 anos. E renovou o contrato do Terminal 35 no porto de Santos por mais 20 anos, unificando os três contratos que explora no cais (além dos Terminais 35 e 37, o 33). Com isso, se comprometeu a investir R$ 750 milhões em um único terminal de contêineres.
         A família Borges Torrealba doou R$ 2 milhões à direção nacional do PMDB em 2014, além de R$ 500 mil ao comitê financeiro único do PMDB do Rio de Janeiro. Questionada se houve relação entre as doações e a aprovação do decreto de arbitragem e renovação do contrato, a Libra não respondeu.
         "A manutenção do contrato de concessão dos três terminais hoje operados pela Libra em Santos depende do cumprimento incondicional da decisão da corte arbitral. No prazo inicial de 24 meses, os árbitros apontarão se há débitos a serem pagos e por qual das partes envolvidas. A decisão é irrecorrível. E um eventual não cumprimento levará à extinção do contrato de operação dos três terminais santistas. Não há, portanto, nenhum benefício ou prejuízo para Libra Terminais ou Codesp", informou o grupo.
         O deputado federal Edinho Araújo (PMDB-SP), ministro dos Portos na época da renovação do contrato da Libra, disse que o processo seguiu toda a legislação e teve o acompanhamento da Advocacia Geral da União (AGU), Ministério do Planejamento, da própria Presidência da República, da Antaq (a agência reguladora do setor), e da área técnica da SEP. "O acordo é vantajoso para o poder público (a Codesp) e a empresa, uma vez que, devido à pendência judicial, a Libra vinha recolhendo apenas um valor estimativo mensalmente à Codesp", disse Araújo.
        

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