sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Crise na navegação global faz proliferar uma frota de navios "zumbis"

         A indústria da navegação enfrenta a pior crise de que se tem memória, à medida que os anos de rápida expansão impulsionada por crédito barato coincidiu com a retração do mercado chinês. “Estamos agora em um estágio em que as pessoas nem se lembram direito de outra época na qual as dificuldades foram tão profundas, considerando como vivemos os anos 90, 80, 70 – e daí a expressão ‘de que se tem memória’”, afirmou o chefe executivo de Relações Comerciais do Báltico em Londres, Jeremy Penn, ao jornal britânico The Telegraph.
          O Baltic Exchange é responsável por estabelecer fretes marítimos há mais de dois séculos e meio, e os membros do comitê concordam em que a situação atual é de fato grave. “Os armadores chegaram a um ponto em que talvez precisem encarar a dura decisão de simplesmente lançar as âncoras ao mar e esperar a tempestade passar” acrescentou advertiu o executivo.
          O artigo do The Telegraph, assinado por John Ficenec, relata que os temores acerca da economia global culminaram há pouco com a queda do Índice do Báltico para Cargas Secas em mais de 20% no último ano, atingindo 369 – o mais baixo desde o início do registro oficial, em 1985.
         O Baltic Dry, extraído do intercâmbio comercial, é um indicador do custo dos embarques de cargas secas a granel, como carvão, minério de ferro, grãos e produtos acabados, como o aço, porém funciona também como um indicador econômico, por sua relação direta com as tendências mercadológicas das grandes fortunas.
          O principal problema reportado pelo artigo tem sido a retração da economia chinesa: o maior consumidor de commodities mundiais, que vinha sendo a força motriz da indústria de transportes marítimos nas últimas duas décadas.
          Boa parte da crise, no entanto, foi causada pelo próprio mercado, diz o artigo. A indústria da navegação passou por um período de crescimento massivo, impulsionado pelo crédito barato e a demanda frequente. Entre 2010 a 2013, a frota mundial dobrou em tamanho. Simultaneamente, a China também chegou a dobrar a sua capacidade de produção nos estaleiros, que receberam encomendas faraônicas para novas embarcações, enquanto o mercado tentava controlar o fluxo de commodities.
          “O mercado de carga seca cresceu perto da casa dos 10% por um período de anos a fio” lembrou o diretor executivo da agência marítima londrina Braemar Shipping, James Kidwell, ao The Telegraph. “E de repente, você está em um mercado que simplesmente murchou. Uma mudança extremamente radical: se de repente há mais navios do que cargas, obviamente os fretes vão enfraquecer — simples assim”.
          Os impactos para o armador têm sido drásticos. A tarifa média cobrada pelo maior navio Capesize — aqueles que recebem esse nome por serem grandes demais para o Canal do Panamá, e são obrigados a desviar por Cape Horn — caiu para cerca de US$ 2.700 por dia. “Um número altamente contrastante com a média de 15 a 25 mil dólares cobrados durante a febre de 2008”, de acordo com Penn.
          Várias das rotas hoje são percorridas com prejuízo, uma vez que o custo administrativo de um Capesize em operação, que chega até 340 metros e equivale a quase quatro campos de futebol alinhados, pode chegar a $7.500 dólares por dia.
           Em um mercado normal, a decisão racional seria simplesmente retirar do mercado os navios que estejam causando prejuízo à frota, porém este é simplesmente um mercado atípico. A frota mundial de navegação está afundada em dívidas. Kidwell conta como os armadores que financiaram suas frotas com 60% de empréstimos e 40% de capital já enxergaram que seu patrimônio perdeu o valor.
          Enquanto isso, os bancos que aprovaram os financiamentos não estão dispostos a afrouxar as negociações, uma vez que, para isso, precisariam reconhecer os próprios prejuízos também. A única coisa que estão aceitando é que não conseguirão a amortização total dos serviços da dívida, e serão forçados a esperar para ver se o armador vai conseguir sobreviver até que o mercado se recupere. Em algum momento, poderão vender o navio a preços melhores.
          “O que de fato está prejudicando a navegação é a proliferação de uma frota zumbi, que vem aceitando transportar mercadorias a fretes independentes, simplesmente para se agarrarem ao mercado,” alerta Kidwell, que explica: “Um navio zumbi é aquele que mal consegue saldar as taxas de juros de suas dívidas, mas que não nutre esperança alguma de liquidar o investimento do capital”.
          E a situação tende a piorar drasticamente no que diz respeito aos empréstimos adquiridos pela indústria de navegação, de acordo com o The Telegraph. Isso porque o cálculo do pagamento de dívidas referentes aos empréstimos e taxas de juros depende do histórico do valor residual do navio ao final da extensão do empréstimo.
          Kidwell destacou que um navio Capesize de cinco anos de idade foi vendido a US$ 19 milhões nas últimas semanas, 40% abaixo do que seria considerado como uma oferta típica por um navio dessa idade, que seria por volta de US$ 33 milhões, e menos da metade do custo de um navio novo (US$48 milhões). O valor de base dos navios também caiu drasticamente assim que a China injetou novas remessas de aço no mercado mundial.
           O colapso do preço de navios de segunda mão promete deixar marcas profundas nas planilhas financeiras de qualquer banco ou investidor que mantém empréstimos desse tipo. O Reino Unido, por exemplo, pode não estar entre os principais armadores mundiais, mas há bancos britânicos, como o RBS que detêm agora os direitos sobre empréstimos da ordem de £ 8,3 bilhões (US$ 9,5 bilhões), assim como o Lloyds Bank, que também fornece crédito para a indústria da navegação.
          A capital britânica permanece a capital mundial do agenciamento de navios, por meio de companhias como a Clarkson, que configura no diretório das maiores empresas da bolsa londrina (FTSE 250), e outras menores, como a Braemar Shipping.
          Assim como Londres também configura como referência mundial em seguros marítimos, com a Lloyd’s londrina, que chegou a assegurar prêmios da ordem de £2,1 bilhões em 2014 (US$ 2,4 bilhões). Para os agentes de cargas, no entanto, o mercado não traz apenas más notícias, releva o artigo da publicação britânica.
         A superdemanda do petróleo mundial acarretou em um dos mais movimentados mercados de navios-tanque neste ano. Com a possibilidade da entrada do Irã na batalha pelo mercado, acrescentando mais 41 petroleiros ao comércio do combustível, é possível que as agências recuperem o caminho das comissões lucrativas depois da suspensão, divulgada neste mês, do embargo americano ao petróleo daquela região, que já durava 40 anos.
           As perspectivas, no entanto, permanecem ainda obscuras aos armadores. O fato é que vai chegar um momento em que os armadores terão que tirar do mercado os seus navios. “Será um processo lento”, Penn adverte.
         “Antigamente, era possível tirar os navios de atividade com facilidade, reduzindo assim os custos de drasticamente, porém hoje, com toda a tecnologia e os aparatos eletrônicos dos navios, isso é muito mais difícil”, observa Penn. Em sua visão, os navios de hoje me dia já não podem ser estacionados como se fazia nas recessões do passado.
           “Presumidamente, os armadores e outros players do setor ainda devem nutrir esperanças de que o mercado se recupere antes que eles entrem em total desespero”, disse Penn. E, no entanto, ele conclui: “Porém, o que temos para o momento neste mercado é uma depressão generalizada”.

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