Agentes
do setor aquaviário acreditam que a ideia de fusão das agências reguladoras do
setor de transportes ainda é especulação e dependeria de uma série de fatores
para ser concebida. Um deles é a aprovação no Congresso, já que precisaria de
alterações na legislação. O governo estuda a criação de uma agência nacional de
transportes com objetivo de destravar licitações no setor de infraestrutura e
acabar com indicações políticas nas autarquias.
A nova agência reuniria Antaq (transportes
aquaviários), ANTT (transportes terrestres) e Anac (Aviação Civil). A
criação de uma agência nacional de transportes já foi discutida durante a
elaboração da Lei 10.233/2001, que reestruturou os transportes aquaviário e
terrestre, criou o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte
(Conit), Antaq, ANTT e o DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de
Transportes).
Na época, foi feito o desmembramento
porque o governo avaliou que cada segmento do transporte possui muitas
especificidades. O presidente do Sindicato Nacional das Empresas de
Navegação Marítima (Syndarma), Bruno Lima Rocha, lembra que, no início dos anos
2000, as empresas de navegação lutaram pela criação de uma agência de
transportes dedicada aos assuntos aquaviários.
"Nosso medo que se repete agora é que,
como o transporte rodoviário é muito grande e dono da matriz de transportes do
Brasil, essa agência única venha a dar ouvidos, cuidar e discutir o rodoviário
e ferroviário. Com isso, assuntos aquaviários fiquem relegados a um segundo
plano", advertiu Rocha.
Numa primeira análise, o Syndarma não
vê efeitos imediatos e diminuição da influência política em caso de
concentração das atividades em uma agência única. A vantagem, segundo Lima
Rocha, é que menos agentes e mais servidores de carreira talvez pudessem,
teoricamente, diminuir o número de indicações por parte dos partidos.
Ele acredita que, se houver cuidado
da indicação em todas as agências, esse controle ocorrerá sem necessidade de
fusão. As empresas brasileiras de navegação ponderam que, havendo essa
necessidade, a agência de transportes deveria ter uma diretoria para cada
segmento e interlocutores com conhecimento de cada área. "Seria preciso
criar diretorias, senão o aquaviário morre sufocado pelo rodoviário",
afirmou Rocha.
O sócio-consultor da Solve
Shipping, Leandro Carelli Barreto, acredita que independente das agências
estarem juntas ou separadas, esses órgãos reguladores precisam de respaldo para
construir regras perenes e livres de viés ideológico, lastreado em muita
competência, conhecimento técnico e bom senso, de forma a reduzir a burocracia
e destravar investimentos.
"Uma super agência de transporte poderia
acima de tudo favorecer a intermodalidade. Contudo, o risco seria construir
isso no atropelo, ou apenas para atender o desejo de mudança da sociedade. Isso
poderia ser desastroso", avaliou. Barreto acrescentou que as empresas
e entidades interessadas precisam ser consultadas ou buscarem caminhos para se
fazerem ouvidas, demostrando sua importância, seus desafios e as oportunidades
que podem gerar. “O setor aquaviário, por exemplo, sempre foi muito low
profile”, disse.
A Associação Brasileira dos Terminais
Portuários (ABTP) afirmou que o setor de portos é totalmente contrário,
principalmente porque são regimes diferentes dos outros modais. Para ABTP, o
setor possui características muito específicas e conhecimentos detalhados. A associação
destacou que o setor portuário é de concorrência aberta e a regulação atual não
estabelece barreiras de entrada, seja para terminais de uso privados (TUPs),
seja para portos públicos (arrendamentos).
“Para o setor portuário, uma fusão não tem
ganhos e traz preocupação de prejuízo grande para regulação (...) Não tem como
colocar isso numa entidade generalista”, ponderou o diretor-presidente da ABTP,
José Di Bella. Ele lembrou que o ministro indicado para a nova pasta de
infraestrutura, Tarcísio de Freitas, disse que o novo governo quer o
reestabelecimento da boa relação entre União, agências e órgãos de controle de
forma a cessar o excesso de regulação.
A Associação de Terminais Portuários
Privados (ATP) acredita que, no caso de fusão, ainda há muito a ser avaliado
quanto à participação e às peculiaridades das agências. "Cada um dos
órgãos atua em áreas que diferem entre si. Há uma gama de projetos de
concessões — de rodovias, ferrovias, aeroportos e portos — que vêm sendo
conduzidos por meio de corpos técnicos específicos, responsáveis desde a
liberação de editais até a manutenção de contratos entre governo e
empresas", comentou o diretor-presidente da ATP, Murillo Barbosa, que já
foi diretor da Antaq.
Em nota, a associação informou
que acompanha a repercussão das medidas pronunciadas pela equipe de transição
em relação aos projetos de infraestrutura de transporte e logística do país.
"Entendemos que é uma proposta legítima e que tem a intenção de agilizar
processos. Contudo, não há como dizer se a fusão dará maior ou menor eficiência
para estes processos. É possível que ainda tenha espaço para a discussão do
tema junto ao governo eleito", expressou Barbosa.
A Associação dos Usuários dos Portos
do Rio de Janeiro (Usuport-RJ) defende que as três agências reguladoras de
transportes permaneçam como estão hoje, vinculadas, e não subordinadas ao
Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil (MTPA). "Fundir essas
agências não vai funcionar muito. A balança pende sempre para o terrestre no
Brasil e vai acabar se esquecendo da questão portuária e marítima",
afirmou o diretor-presidente da Usuport-RJ, André de Seixas.
Ele disse que são segmentos totalmente
distintos e projetos convergentes entre as agências devem ser tocados pela
pasta dos Transportes. Para a associação, a agência reguladora precisa ter
foco e ser independente. Seixas considera que o mandato dos diretores das
agências foi criado para protegê-los das trocas de governo e permitir a
continuidade dos trabalhos desenvolvidos. "Indicação política e competência
das agências reguladoras não podem ser misturadas. Tem que se enxugar o que
deve e limpar questões políticas, mas manter as agências", defendeu.
Procuradas a Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (Antaq), a Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT) e Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) não se posicionaram sobre o
assunto. O Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Reguladoras
(Sinagências) avaliou que a possível mudança na configuração atual não é benéfica
porque, para se fazer qualquer análise no setor de infraestrutura, é necessário
usar três ferramentas de gestão regulatória: Background, Benchmarking
e Análise de Impacto Regulatório. “Numa simples conferência, os três
setores (transporte terrestre, aquaviário e aviação civil) demonstram
diferenças abissais tanto quanto agentes de mercado, usuários, ou seja, possuem
mercados distintos”, destacou o presidente do Sinagências, Alexnaldo
Queiroz.
Ele acrescentou que a fusão não traz
garantias aos investimentos privados e à qualidade dos serviços fornecidos aos
usuários. “É necessário que o próximo governo, que já demonstrou ter habilidade
para o recuo, a use sem moderação neste ideia”, disse Queiroz. O sindicato
informou ainda que os servidores estão disponíveis para auxiliar o futuro
ministro de Infraestrutura com propostas que trarão efetividade para
investimentos privados e melhoria na qualidade do serviço.
Uma fonte que prefere não ser
identificada considera a mudança inviável num primeiro momento, inclusive
porque o Congresso está apreciando um projeto de lei que visa dar mais
autonomia, independência e transparência às agências reguladoras. O
PL-06621/2016, que dispõe sobre a gestão, a organização, o processo decisório e
o controle social das agências reguladoras, teve a redação final aprovada no
Senado na última quarta-feira (5). O projeto é de autoria do senador Eunício
Oliveira (PMDB/CE), presidente do Senado.
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