Usual no
transporte marítimo de mercadorias, a taxa de sobre-estadia (cobrada pelo
armador quando há atraso na entrega do contêiner) só tem validade se estiver
especificada em contrato. Esse foi o entendimento do juiz Claudio Teixeira
Villar, da 2ª Vara Cível de Santos, em São Paulo, ao negar um pedido de
cobrança da Hapag-Lloyd, uma das maiores do setor no mundo.
A empresa, segundo consta no
processo, não havia colocado no papel o prazo de uso do contêiner nem os
valores aos quais a contratante do frete, uma exportadora de Santa Catarina,
estaria sujeita se atrasasse a entrega. "A autora até demonstra a data de
retirada e embarque dos cofres de carga. Entretanto, como não se documentou o
compromisso, não há como aquilatar a obrigação", afirma o juiz na decisão
(processo nº 1020207-39.2018.8.26.0562).
Essas questões de contrato são
bastante discutíveis quando envolvem direito marítimo. Especialmente porque as
empresas costumam se valer de uma regra centenária, prevista no Código
Comercial, que prevê que se as informações não estiverem especificadas na carta
de fretamento - ou bill of lading, como é conhecida no mercado - as empresas
poderão se valer dos usos e costumes do porto.
A taxa de sobre-estadia é praticada no
mundo todo. Tem dois nomes: "detention", nos casos de exportação, ou
seja, quando a contratante carrega o contêiner e envia as mercadorias para um
outro porto; e "demurrage", quando envolve operações de importação e,
nessa hipótese, o prazo para o uso do contêiner conta-se da data de chegada no
porto de destino até a retirada das mercadorias.
Os preços que são estabelecidos
variam conforme a empresa contratada. Já o prazo para o uso do contêiner, sem a
cobrança da taxa, geralmente é fixado em 21 dias. A partir daí, então, começa a
correr período extra, com a incidência de tais valores.
No caso julgado pela Justiça de
Santos, a Ecom Comércio, Importação e Exportação havia contrato o transporte
das mercadorias do porto de Itajaí, em Santa Catarina, até o de Qingdao, na
China. O atraso para a entrega do contêiner, segundo a Hapag-Lloyd afirma na
ação de cobrança, teria ocorrido no momento do embarque. Ela tentava obter, na
Justiça, cerca de US$ 80 mil em decorrência disso.
"Estamos falando de um preço que
é unilateralmente fixado. São poucas as empresas que controlam esse segmento
não só no Brasil, mas no mundo, e foram elas que estabeleceram esse
entendimento de que a cobrança é baseada em usos e costumes", diz o
representante da exportadora no caso, Maiko Roberto Maiero, do Silva &
Silva Advogados Associados.
Ele diz que é muito comum, na área
portuária, que aconteçam greves e atrasos por conta das condições climáticas.
"São questões que estão alheias à vontade do transportador e da empresa
que contratou o serviço", pondera. "Para que essa taxa tenha validade
é preciso que se estabeleçam os critérios e quanto cada parte suporta desse
risco."
Se o entendimento do juiz de Santos
for replicado a outros casos, acredita o advogado, poderá haver uma
reorganização no mercado. As transportadoras não deixariam de cobrar a taxa,
mas passariam a existir critérios bem definidos, o que, no seu entendimento,
seria mais justo com quem contrata o frete.
Até agora, no entanto, a decisão do
juiz Claudio Teixeira Villar, exigindo a especificação do prazo e dos valores
da taxa em contrato, é uma das poucas no Judiciário nesse sentido. E como cabe
recurso para a segunda instância, ainda pode ser revertida.
Especialista na área, Alexandre
Wider, do escritório Siqueira Castro, acredita, com base na jurisprudência
sobre esse assunto, que se a transportadora conseguir provar - seja por meio de
testemunhas ou com outros contratos que demonstrem os prazos e valores praticados
- há chances de a decisão da primeira instância não prevalecer. "Porque a
taxa de sobre-estadia é um fato notório do comércio marítimo. É da praxe
comercial", contextualiza. Os advogados que atuaram para a Hapag-Lloyd no
caso não se manifestaram sobre a decisão.
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