O leilão
da ferrovia Norte-Sul, marcado para acontecer no dia 28 de março, pode ter mais
uma baixa. A estatal russa RZD, uma das maiores companhias ferroviárias do
mundo, cotada para entrar na disputa, informou que não deve participar. A
avaliação da empresa é que o edital publicado pela Agência Nacional de
Transportes Terrestres (ANTT) contém uma série de fragilidades que acabam
beneficiando as empresas Rumo e VLI, que já operam malhas ferroviárias que se
interligam com o trecho que será leiloado.
O trecho da ferrovia que será
licitado tem lance mínimo de R$ 1,3 bilhão. O empreendimento já recebeu
investimentos públicos de R$ 16 bilhões. Trata-se do principal projeto da
agenda de infraestrutura do governo Bolsonaro. A ferrovia, que corta o eixo
central do Brasil, tem 1.537 quilômetros de extensão e liga Porto Nacional (TO)
a Estrela D’Oeste (SP). Seria a primeira ferrovia concedida à iniciativa
privada em 12 anos.
Segundo Bernardo Figueiredo, ex-presidente
da ANTT no governo Dilma Rousseff e consultor da RZD no Brasil, a principal
preocupação dos russos está relacionada ao chamado “direito de passagem”, regra
que permite o tráfego de cargas em trechos de diferentes concessionárias.
A avaliação da empresa é que o tema
ficou mal resolvido no edital e não haveria garantia efetiva de que esse
direito de passagem seria respeitado. A Norte-Sul não dá acesso direto a
terminais portuários. Para escoar carga, portanto, o vencedor do leilão teria
de utilizar ferrovias da Rumo, que vão até o Porto de Santos, ou da VLI, para
os terminais do Maranhão.
Em janeiro, os russos enviaram um
questionário com 30 perguntas sobre o edital para a ANTT. Na semana passada,
segundo Bernardo Figueiredo, a estatal foi informada que só receberia as
respostas cinco dias antes do leilão. “É uma situação muito difícil, porque não
dá nem tempo de analisar as respostas. Além disso, nada do que foi sugerido
pelos russos nas consultas públicas foi acatado”, comentou.
Um representante da RZD está vindo ao
Brasil para conversar com o governo, segundo Bernardo. A estatal russa já atua
em países como Alemanha, França e China, mas ainda não entrou na América
Latina.
Procurada para falar sobre o assunto,
a Rumo declarou que encontra-se em período de silêncio devido à emissão de
debêntures e que, por isso, não podia se manifestar. A VLI reiterou o teor de
manifestações já dadas sobre o assunto, quando afirmou que o edital da
Norte-Sul “é público, transparente e aberto a todos os interessados em
participar do processo de forma igualitária”.
A ANTT negou “veementemente a
afirmação da empresa russa” e disse que o plenário do Tribunal de Contas da
União “acompanhou todas as etapas de construção da documentação da concessão,
tendo a agência acatado diversas recomendações feitas pela corte de contas”. A
agência destacou ainda que o edital contou com cinco sessões públicas e que a
equipe técnica respondeu a “70 manifestações e contribuições vindas da
sociedade”.
Sobre o direito de passagem, a
agência declarou que o valor máximo a ser pago para esse acesso foi fixado
previamente à publicação do edital, para que as empresas possam avaliar o risco
na formulação da proposta econômica. “A ANTT sempre balizou suas decisões e
seus trabalhos com base em estudos e pareceres técnicos de seus servidores,
dentro da legalidade e lisura, respeitando todos os princípios éticos da
administração pública, e em permanente contato com os órgãos de controle do
governo federal”, afirmou.
O leilão da Norte-Sul já vem atraindo
polêmica há algum tempo. Na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF)
recomendou ao Ministério da Infraestrutura e à ANTT que suspenda a licitação,
para que justifique a escolha do “modelo vertical” de concessão, em que apenas
uma empresa controla o trecho. O MPF também questionou o fato de o edital não
prever transporte de passageiros.
Duas semanas atrás, a Frente Nacional
pela Volta das Ferrovias (Ferrofrente) entrou com uma ação popular na Justiça
para tentar impedir o leilão, sob a justificativa que o edital privilegia
empresas que já atuam no setor. Essa também é a percepção do Ministério Público
junto ao Tribunal de Contas da União (TCU). “O edital dessa licitação, tal como
está desenhada, favorece amplamente a empresa VLI e não acrescenta nada ao
País”, afirmou ao “Estado” o procurador do MP, Júlio Marcelo de Oliveira.
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