Em depoimento ao Ministério Público Federal em Brasília (MPF-DF), que
apura denúncias de abuso de poder de servidores da Agência Nacional de
Transportes Aquaviários (Antaq) e de uma suposta formação de cartel na
cabotagem, o ex-diretor geral da agência, Adalberto Tokarski, indicou
uma perseguição por parte de membros do comando da agência à empresa de
navegação Posidonia Shipping. Tokarski, que não é alvo da denúncia,
indicou que membros da gerência e da diretoria da Antaq tiveram atitudes
que podem ser interpretadas como abusivas e prejudiciais à empresa de
navegação carioca.
O inquérito foi aberto no núcleo de combate à
corrupção do MPF após ação iniciada pela Posidonia, que entrou no
mercado em 2013 e relata obstáculos para atuar na cabotagem brasileira. O
depoimento prestado em junho de 2017 veio a público na última
quinta-feira no site do Estadão, que teve acesso exclusivo às imagens. O
mandato de Tokarski acabou em fevereiro deste ano. No depoimento, o
ex-diretor geral disse que o entendimento dele em alguns processos
relacionados à empresa de navegação era diferente dos demais diretores
(Mario Povia e Fernando Fonseca). Tokarski citou que, na época da
outorga, ele entendeu que a embarcação em construção da Posidonia
serviria de garantia para autorizar a operação da empresa, porém os
outros diretores avaliavam que não.
Ele também considerou que
houve demora em decisões sobre afretamento envolvendo a Posidonia após a
empresa ter denunciado servidores da agência em uma de suas ações. "Num
outro momento, a gente percebe que houve às vezes ações de
procrastinação para demorar o atendimento da empresa. Houve determinado
momento em que foi feita uma denúncia e, por conta dessa denúncia,
barraram o afretamento. E, nesse caso específico, eu estava diretor,
chamei pessoal da área técnica e falei: 'vocês estão malucos. Não foi
apurado nada ainda e com base na denúncia você já cancela uma
autorização de afretamento'. Isso não pode acontecer”, disse em seu
depoimento.
Tokarski ressaltou que não vê a resolução 01/2015
como totalmente restritiva. Ele acrescentou que, em alguns pontos
colocados sobre a norma que trata das regras de afretamento, ele foi
voto vencido e a proposição permaneceu como estava. “Com referência a
essa resolução (...) acho que talvez tenha vindo no sentido de evitar
que empresas de papel ficassem atuando. Mas, na hora que se dá direito
para uma empresa que está com embarcação em construção e se dá direito
para todo mundo afretar outras, também está permitindo que a empresa
construa, afrete, cresça e assim por diante. Se limita isso aí, está
sendo mais restritivo”, comentou.
Ele também declarou que houve
multa aplicada à empresa que ele só tomou conhecimento depois de
publicada. “A Posidonia foi multada lá atrás em R$ 1,2 milhão e eu
especificamente nesse momento era diretor e fiquei sabendo só depois de
publicado no Diário Oficial”, afirmou. Tokarski explicou que existe uma
espécie de hierarquia na agência onde só chegam para recursos na
diretoria multas com valores mais altos. Dependendo dos valores das
infrações, eles são aplicados pelas superintendências ou gerências
responsáveis. "Nesse caso específico - até questionei - foram muitas
multas num mesmo valor pequeno. E acho que deveria ter sido levado à
diretoria, e não foi levado", ressaltou.
O ex-diretor relatou
ainda a emissão de ofícios de superintendências que podem ocasionalmente
livrar algumas empresas de multas, se sobrepondo às normas.
“Recentemente, emiti ofício meu e da diretoria-geral colocando que
ofício não tem poder de sobrepor uma norma, que ela é discutida, passa
em audiência pública, é um processo robusto”, contou durante seu relato.
Tokarski
contou que demonstrou aos atuais diretores (Mario Povia e Francisval
Mendes) a preocupação de o gerente de afretamento, Rômulo Castelo
Branco, continuar na função. "Em relação ao Sr. Rômulo especificamente,
eu externei para os dois atuais diretores — um é bem mais novo — da
preocupação dele continuar. Especificamente vejo alguns expedientes que
não me dão tanta confiança, solicitei no sentido de a gente mudar",
relatou.
O ex-diretor explicou que a escolha de cargos
comissionados, como o de Castelo Branco, passam pela diretoria
colegiada. "No caso do Rômulo, o diretor Mario Povia não concorda. O Dr.
Francisval está chegando agora. Diante de mais expedientes, de uma
preocupação que estou tendo com esse processo, vou propor à diretoria
colegiada na sequência (...) vou pedir que processos dessa empresa
fiquem em sobrestado. Com esse inquérito pode ter dentro da casa um
olhar não agradável para com a empresa", disse em seu depoimento.
"Vou
solicitar que esses processos realmente não andem porque pode ficar um
pouco maculado qualquer decisão. Pretendo esperar auditoria para trazer
mais elementos porque na hora que coloca no papel, pedindo, por exemplo,
afastamento do servidor Romulo: não tenho confiança, mas não consigo
decidir sozinho", acrescentou.
Questionado sobre uma suposta
influência de empresas de navegação na norma, ele comentou apenas sobre a
conduta dentro da agência em relação à Posidonia. "Não posso afirmar
'em favor da ABAC' [Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem]. Acho,
no meu entendimento, vemos claro às vezes um posicionamento contrário a
essa empresa. Ao longo dos anos está dando para perceber isso",
resumiu.
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