Um dos poucos assuntos que não saem da pauta dos portos é o esforço
infindável pela aprovação, execução e manutenção das obras de dragagem.
Mas, se o assunto é uma das maiores unanimidades, “por que não se draga
neste país”? Essa foi a questão levantada pelo diretor da Agência Porto,
Fabrizio Pierdomenico, em evento realizado pela Comissão de Direito
Marítimo e Portuário da OAB.
Para responder à pergunta, o
Comandante Claudio Paulino Rodrigues, diretor da Praticagem de São
Paulo, elaborou uma apresentação detalhada na qual explicou, primeiro, o
histórico da dragagem na navegação mundial. Em seguida, remeteu a
atividade a questões de segurança, não apenas do navio, como do entorno e
do meio ambiente, quando se fala em movimentação de terra que altera o
curso e o movimento das águas.
Segundo o comandante, o problema
da dragagem é justamente esse: ela vai muito além da atividade de
remoção de terra. Além de vários obstáculos encontrados no caminho, que
podem piorar a situação em vez de resolvê-la, existem também uma série
de efeitos causados pela movimentação da embarcação, por correntezas e
pelas intempéries do clima, que fazem com que o tão almejado “calado
nominal” não passe de um número.
“Mesmo oferecendo um calado
comprovado de 14 metros, como é o caso do Porto de Santos, não é sempre
que se podem receber embarcações com essa dimensão”, explicou Claudio
Paulino, ilustrando com filmes e gráficos alguns efeitos da navegação
que podem alterar em até 2 metros a demanda de um navio por profundidade
no canal de acesso e navegação.
Preocupado com a tendência dos
meganavios, Claudio Paulino lembrou que as embarcações gigantescas que
vêm sendo lançadas em uma série de mercados, trazendo mais ganho de
escala ao comércio internacional ultrapassam 300 metros de comprimento,
uma dimensão muito acima dos moldes para os quais os portos foram
concebidos, especialmente os brasileiros, em sua maioria fixados em
águas abrigadas.
“Imagine a Torre Eiffel. Agora deite-a, e faça ela
fazer uma curva no canal de Santos”, brincou o comandante. O diretor da
Agência Porto também se utilizou da metáfora para ilustrar as dimensões
dos novos ULCV (Ultra Large Container Vessels), e pediu para que
imaginássemos três campos de futebol dispostos linearmente.
A
realidade dos meganavios está, de fato, bastante distante dos portos
brasileiros. Em entrevista ao Guia Marítimo, Ark Tan, gerente comercial
da China Cosco Shipping, disse ser bastante impensável que um navio
desse porte chegue ao Brasil. “Primeiro, pela estrutura portuária,
porque não há porto que consiga receber esses navios, pelo menos um que
que tenha uma logística de acesso competitiva. E segundo, porque os
volumes do mercado de comércio exterior do Brasil ainda não justificam
esse movimento”.
Ainda segundo Pierdomenico, a capacidade de
dragagem do país tem caído drasticamente. “O Brasil já teve uma
capacidade de cisternas de mais de 100 mil m², e hoje ela não passa de
27 mil m²”, lamentou o executivo. Ele explicou que, no PND (Plano
Nacional de Dragagem) 1, instituído em 2007 pela Lei 11.610, a atividade
era considerada como engenharia portuária e, portanto, contava com mais
flexibilidade.
Mas, com a nova Lei dos Portos (12.185/2013), e o
lançamento do PND 2, a dragagem passou a figurar como atividade de apoio
portuário. Isso dificultou as decisões, especialmente por alongar os
contratos com as empresas de engenharia por períodos tão longos que elas
não conseguem cumprir sem contratempos.
Aproveitando a presença
de Mário Poiva, diretor da Antaq, na reunião da Comissão de Direito
Marítimo, Fabrizio Pierdomenico provocou, sem perder o bom humor:
“Mário, eu sei que você já precisa ir embora, mas antes, preciso fazer
uma crítica: por que tivemos que trazer a dragagem para dentro da Lei
12.815?”.
A pergunta de Pierdomenico
não teve resposta, especialmente porque esta seria teria de ser tão
complexa quanto mexer em uma lei como a 12.815 a cada particularidade
encontrada no processo de dragagem. E tais particularidades, de acordo
com as explicações do Comandante Claudio Paulino, são infinitas.
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