Artigo: Samir Keedi* - A reclamação dos embarcadores perante os armadores é algo natural em
relação ao frete marítimo. Desde que começamos a trabalhar com comércio
exterior, ouvimos isso de todo mundo. Claro que o jus esperneandi
(palavra inexistente no latim, jocosa, mas muito usada para o direito de
reclamar) é sempre válido. Mas, obviamente, temos que reclamar do que
deve ser reclamado, não daquilo que não se deve. Mas, reclamar de tudo é
o que se faz o tempo todo. Parece ser parte do DNA do ser humano (sic).
Considerar
o frete marítimo caro sempre foi uma reclamação geral. Em especial hoje
em dia, por aqueles que labutam há menos tempo que nós na área. Caro
era nos anos 1980 e 1990. Em que o frete de um container reefer
de 40 pés (12,19 m de comprimento) era de US$ 7,500.00 para se enviar
frangos congelados aos portos de Hong Kong e Singapura, em meados dos
anos 1990. E caro também para frete de container drybox. Tomava boa
parcela do preço da mercadoria.
No início deste ano de 2016, pelo
sabido, alguns armadores chegaram a cobrar frete de US$ 40.00 / US$
60.00 da China ao Brasil. E houve situação em que o frete era de US$
00,00, para o armador fazer deslocamento das unidades de carga. Agora
voltaram a subir, de forma natural, e não poderia ser de outra maneira.
Navios e containers caros, petróleo, etc. etc. têm custo e é preciso
remunerar o armador.
Mas, certamente, o frete hoje é muito mais
barato que no passado, e “chora-se de barriga cheia" (sic). Em especial
se considerarmos a inflação do período. Isso se deve a economia de
escala proporcionada pelo aumento do comércio exterior, bem como pelo
extraordinário crescimento dos navios. Que com isso ficaram
relativamente mais baratos na construção, bem como proporcionam
transporte de maior quantidade de carga. Assim, convém fazer uma
pesquisa dos fretes dos últimos 20-30-40 anos para verificar.
Mas,
a maior reclamação sempre recaiu mesmo sobre os adicionais de frete. As
chamadas taxas e sobretaxas. Taxas são aquelas incidentes sobre a
carga. Por exemplo, sobre o tamanho da carga, seu volume, seu preço, se é
perigosa etc. Sobretaxas são aquelas que incidem em face da navegação.
Por exemplo, de guerra, de combustível, porto secundário, rota perigosa
etc. É comum se considerar as taxas e sobretaxas cobradas como abusivas,
e que deveriam ser eliminadas. Que o frete deveria ser apenas aquele
frete cotado, sem qualquer adicional. De preferência, claro, que fosse
de graça. E, conhecendo o mercado, nem duvidamos que, de alguma forma,
poderia ainda haver reclamação (sic).
O que temos de
analisar na cotação do frete, em especial na cobrança e daquilo que vem
mencionado no conhecimento de transporte marítimo, é sua validade ou
não. Seu preço e correção ou não. Não a cobrança de taxas e sobretaxas
em si. Vamos demonstrar que elas são válidas e necessárias. Que não
podem ser simplesmente eliminadas como muitos apregoam. As taxas e
sobretaxas fazem a justiça entre as cargas, embarcadores e destinos. Sem
elas é que as injustiças ocorreriam, como veremos.
Imaginemos
duas cargas do mesmo produto, de qualidades diferentes, portanto, com
preços de custos e vendas diferentes. Ao se cotar o frete dessas
mercadorias, certamente eles serão iguais para os dois lotes. E não há
como se cobrar o mesmo frete se elas são conceitualmente diferentes. E
com custos de seguro diferentes, em que o armador, sendo o caso, terá
que ressarcir valores diferentes.
Não seria adequado, e
ficaria mais complicado, ter dois fretes diferentes para essas duas
mercadorias. Ou várias delas com valores diferentes. E cotando um frete
maior, que cobrisse o risco com a de maior valor, ficaria injusto para
aquela mercadoria de menor valor. Assim, o assunto é resolvido com uma
taxa de ad-valorem, que é cobrada para aquela mercadoria de valor maior.
Que não incide sobre a de menor valor. E, assim para as mais diversas
taxas.
O mesmo ocorre com as sobretaxas, que são eventos da
navegação em si. Um bom exemplo é o BAF-Bunker Adjustment Factor (BAF),
ou Bunker Surcharge (BS) ou outros nomes escolhidos para o combustível.
Há décadas, desde os dois choques do petróleo em 1973 e 1979 que o
petróleo não tem um preço. E varia praticamente diariamente. Em que o
preço do barril de petróleo (159 litros) pulou de cerca de US$ 1.40 para
US$ 12.00-14.00 e, posteriormente, para cerca de US$ 40.00 o barril. E
não há como se cotar o frete incluindo o combustível, se o seu custo
varia o tempo todo entre os extremos de baixa e de alta. Em especial que
ele representa uma grande parcela dos custos do armador.
O
mesmo ocorre com todas as demais sobretaxas. Outro bom exemplo é o War
Surcharge, que é uma taxa de guerra. O Golfo Pérsico ou Golfo Arábico,
sempre foi uma zona perigosa. Em que no desenrolar de uma guerra, os
navios ficam à mercê dos combatentes, podendo ser atingidos ou
afundados. Sempre foi comum para nós, depois dos choques do petróleo,
conviver com esta sobretaxa, justa.
Não se pode cobrar o
mesmo frete de uma mercadoria que não entra no Golfo e para outra que
entra, considerando apenas a distância da viagem. É justo cobrar um
adicional para aquela que vai adentrar o Golfo, em vez de ter o mesmo
frete para as duas mercadorias, ou se ajustar o frete para navegação
para lá, e fazer a mercadoria que não chegar até lá pagar um frete
injusto.
E assim ocorre com todas as sobretaxas, igualmente
o que ocorre com as taxas. O que se deve discutir, como já colocado, é
se elas são justas, se os preços são adequados e, em especial, se tal
cobrança se justifica ou não. Não se pode cobrar uma sobretaxa de guerra
para uma mercadoria que não foi até o Golfo Pérsico e fica no Sul da
África.
(*) Profissional de comércio
exterior, especialista em transportes, logística, seguros, incoterms,
entre outros. Generalista em várias atividades em comércio exterior,
també é consultor em diversos assuntos relativos a área. Professor
universitário de graduação e pós graduação, é instrutor técnico e
palestrante em assuntos de comércio exterior e economia. Autor de vários
livros, é o tradutor oficial para o Brasil do Incoterms 2000 e
representante do Brasil na CCI-RJ e Paris na revisão do Incoterms 2010.
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