No entanto este é apenas um dos
retratos do agronegócio no país, que, até aqui, tem motivos para celebrar como
a boa produção de soja, os preços atrativos do próprio café e a possibilidade
de ampliar exportações de suco de laranja, tudo isso num momento em que o
câmbio é altamente atrativo. Se, há 20 anos, o total de migrantes para o café
chegava a 30 mil no nordeste paulista e parte de Minas, a mecanização das
lavouras e a mudança para outras atividades fizeram com que o número de
trabalhadores fosse reduzido a cada ano.
Com isso, e apesar do preço bom — entre
R$ 560 e R$ 590 a saca de 60 quilos—, produtores de café arábica podem ter
atrasos na safra, etapa mais intensiva em mão de obra e que dura de três a
quatro meses. Colômbia e Brasil, que produzem 65% desse café no mundo,
precisarão de 1,25 milhão de pessoas para os trabalhos, segundo associações de
produtores, que estão preocupadas com a reunião de empregados. “Eu vou começar
com menos pessoas que o normal, nós poderemos ir mais devagar no começo”, disse
o produtor Paulo Armelin, de Minas Gerais, fornecedor regular da italiana Illy.
Segundo a OIC (Organização
Internacional do Café), a produção global de café arábica deve ser de 102,7
milhões de sacas, das quais 55,5 milhões são do Brasil. A Colômbia responde por
15,5 milhões de sacas. De acordo com o pesquisador Renato Garcia Ribeiro, do
Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, além de
contratar menos, os produtores estão tentando espaçar os funcionários nos
alojamentos.
“O que mais preocupa é o processo de
deslocamento da cidade para o campo. Na lavoura em si, não fica um do lado do
outro. A colheita usará mais mão de obra local por causa das restrições de
deslocamento.” Com as regras que o setor recebeu, Ricardo Lima de Andrade,
superintendente comercial da Cocapec (cooperativa de Franca), disse acreditar
que, se não usar mão de obra local, o cafeicultor partirá para mecanizar o que
for possível.
“A pandemia fará com que se
desenvolva metodologia para colher de forma mecanizada, até para evitar a
circulação de pessoas no interior do Brasil.” Em média, cada empregado
contratado para a colheita recebe R$ 1.500. Já entre os produtores de grãos, a
preocupação se mantém mais com o clima e outras condições adversas do que com a
pandemia. Os protocolos de segurança se restringem, em geral, ao uso de
máscaras e álcool em gel por quem está envolvido nas cadeias de produção, já
que a própria dinâmica das áreas auxilia nas medidas protetivas.
“O risco maior seria o contato entre
pessoas, mas, ao ar livre e com distanciamento, o produtor consegue conversar
com técnicos e funcionários, e isso acaba protegendo a todos”, disse Haroldo
Polizel, superintendente-geral da Integrada, cooperativa com sede em Londrina
que reúne cerca de 10 mil produtores em 49 municípios de Paraná e São Paulo. Ainda
assim, as visitas de pessoal externo às terras têm se restringido a
emergências.
Mesmo com as condições desfavoráveis,
principalmente pela estiagem, a safra 2019/20 de soja no Paraná bateu recordes.
Segundo estimativa do Departamento de Economia Rural do Paraná, são 20,7
milhões de toneladas no mercado, quase 1 milhão a mais que a safra 2016/17, até
então a maior.
Dono de uma propriedade de 500
hectares em Moreira Sales (PR), Marcio Bonesi contou que recentemente recebeu
na área um técnico de uma multinacional. Dias depois, o agricultor soube que o
funcionário foi notificado pela empresa, que tem usado o rastreamento de
veículos para evitar contatos desnecessários. “A visita, que era mensal, não
vai ser mais”, disse.
Como grande parte de produtores de
grãos, ele já colheu entre março e abril suas cerca de 31.500 sacas de soja e
emendou na plantação de milho, em fase de crescimento. Com isso, disse que a
fase de maior “movimento”, com grande fluxo de colheitadeiras e caminhões,
escapou do ponto mais crítico da pandemia.
Nesta nova etapa das propriedades, com
a entrada do milho — cuja produção está com baixa estimativa, graças também à
estiagem —, estão sendo tomados outros tipos de medida no recebimento de
inseticidas e adubos. “Ou seja, o que foi afetado é o processo, que está
acontecendo de forma mais lenta, com a baixa dos colaboradores que são do grupo
de risco e as diversas medidas de segurança nas entradas de propriedades”,
disse Geomar Corassa, gerente de pesquisa e tecnologia da Cooperativa Central
Gaúcha, com 171 mil produtores no Rio Grande do Sul.
Nas cooperativas, geralmente com
grande quantidade de funcionários, quem pode está trabalhando de casa. Com
cerca de 140 associados da região, a Coopa, do Distrito Federal, está
funcionando com 30% do efetivo presencial, em rodízio, como nas balanças e no
recebimento e despacho de cargas. O novo jeito de trabalhar tem levado
produtores a procurar soluções pela internet.
“Já havia uma tendência de aumento do
uso de tecnologias digitais no campo, principalmente pela chegada de uma nova
geração, mas a pandemia fez isso acelerar”, afirmou Corassa. Ele ressalta, de
outro lado, que uma das áreas do campo mais afetadas pelo novo coronavírus é a
de pesquisas, essencial para desenvolver soluções para os produtores, como no
combate de pragas. “A gente não sabe o que vai ser daqui para a frente, então
fica complicado assumir um experimento, por exemplo, e garantir a sua
condução.”
Com a laranja, a expectativa é de, em
algum momento, o mercado nacional exportar mais suco para os EUA, cujo mercado
cresceu 40% na pandemia. “O suco tem vivido febre de consumo, em razão da
vitamina C e também pelo fato de, com o confinamento das pessoas em casas, o
hábito do café da manhã ter sido retomado pelas famílias. Quando você olha o
balanço da Kelloggs, por exemplo, verá que ela teve alta de 8% nas vendas
impulsionado por março [quando já havia isolamento]”, disse Ibiapaba Netto,
diretor-executivo da Citrus-BR.
O cenário só não tem reflexo imediato
nos Estados Unidos, segundo ele, devido aos estoques do país, o maior em cinco
anos. “Mas o aumento do consumo ajuda a queimar mais rápido esse estoque, o que
a médio prazo vai ser bom. O suco de laranja foi apresentado para uma geração
de consumidores, pessoas que não tinham o hábito de beber e passaram a ter.” Ainda
segundo ele, o fato de o setor seguir normalmente em meio à crise econômica no
país é uma “bênção”.
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