O aumento do nível do mar e seus impactos em regiões costeiras já
preocupam importantes portos dos Estados Unidos, como Nova Iorque e Nova
Jersey (na costa leste) e Los Angeles e Long Beach (na costa oeste), e
da Europa, caso de Roterdã (Países Baixos). Mas não estão na pauta dos
complexos marítimos brasileiros, inclusive do Porto de Santos. Esse
cenário, porém, vai mudar. Segundo representantes da Companhia Docas do
Estado de São Paulo (Codesp, a Autoridade Portuária de Santos) e do
Ministério dos Transportes, esse fenômeno, relacionado com as mudanças
climáticas percebidas nos últimos anos, terá de ser debatido no complexo
santista, que deverá preparar-se para seus efeitos.
A medida foi defendida pelo diretor de Operações Logísticas da
Codesp, Celino Ferreira da Fonseca, e pelo diretor do Departamento de
Revitaliza-ção e Modernização Portuária da Secretaria de Portos, do
Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil, Rossano Reolon, na
última semana, durante sua visita ao Porto de Nova Iorque e Nova Jersey.
Fonseca e Reolon integraram a equipe de autoridades e empresários do
Porto de Santos que conheceram o complexo norte-americano entre quarta e
sexta-feira passadas. A viagem concluiu a programação da edição deste
ano (a 14ª) do Santos Export – Fórum Internacional para a Expansão do
Porto de Santos, que ocorreu no último mês, no Mendes Convention Center,
na Cidade. O evento é realizado pelo Grupo Tribuna e pela Una Marketing
de Eventos.
Entre os temas debatidos durante a visita técnica, estava a elevação
do nível do mar (em inglês, Sea Level Rise ou SLR) e as consequências
para os complexos portuários marítimos e suas operações. Atualmente, o
complexo de Nova Iorque e Nova Jersey discute os impactos do fenômeno em
suas atividades e como proteger suas instalações e a própria região
costeira de seus reflexos.
A questão foi comentada por representantes da autoridade portuária
com a comitiva do Santos Export no encontro ocorrido na quarta-feira e
tema central da reunião que o grupo teve, na última quinta-feira, com
técnicos da consultoria norte-americana Aecom. A empresa foi contratada
para preparar um plano de proteção contra o SLR para os portos de Los
Angeles e Long Beach (ambos na Califórnia), para regiões de Nova Jersey e
ainda para a Ilha de Manhattan (um dos distritos de Nova Iorque),
incluindo suas áreas portuárias.
Logo após o encontro com os técnicos da Aecom, o diretor de Operações
Logísticas da Codesp admitiu a necessidade de incluir essa questão
entre os pontos que devem ser tratados para o desenvolvimento do Porto
de Santos. Segundo o dirigente, o aumento do nível do mar e as medidas
necessárias para proteger a infraestrutura do complexo devem ser
incluídos no seu planejamento.
“Essa é uma questão que temos de analisar. Não se trata de um
problema urgente, mas não podemos ignorá-lo. Ficou claro, especialmente
pela experiência que tivemos aqui (com o Porto de Nova Iorque e Nova
Jersey e os projetos em desenvolvimento pela Aecom), que devemos
enfrentá-lo e passar a considerar esse problema no planejamento do
Porto. Esse tema, eu levarei para as reuniões da Direx (a
diretoria-executiva da Codesp)”, afirmou Celino da Fonseca. O diretor reconheceu que, nos atuais projetos de infraestrutura do Porto, o efeito do aumento do nível do mar não é considerado.
Estudos
O SRL até foi citado na série de pesquisas encomendada pela Companhia
à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), no final do
ano passado, para analisar as condições de navegação no canal do
complexo e o aumento do processo de erosão nas praias da região –
fenômeno que tem relação com a elevação do nível do mar. Mas os impactos
desse processo na região e formas de evitá-lo não devem ser pesquisados
nesses trabalhos. Os estudos foram contratados a fim de definir quais
os maiores navios que podem escalar na região, mesmo com o
aprofundamento do canal.
Questionado por que complexos norte-americanos e europeus se
preocupam com esse assunto enquanto, no Brasil, ele não tem sido
tratado, o dirigente portuário destacou que as atuais demandas de
infraestrutura podem explicar essa situação. “É claro que temos de
analisar questões como o aumento do nível do mar. Mas no Brasil, os
portos ainda precisam de tanto investimento, de tanta infraestrutura. Em
Santos, ainda estamos debatendo um novo acesso rodoviário para o Porto
(a reformulação viária da Entrada de Santos), uma demanda da década
passada. Diante dessa urgência, de obras mais urgentes, a gente até
entende por que ainda não debatemos esse ponto, que é uma demanda com
efeitos não tão imediatos”.
Segundo o diretor, o debate sobre o SRL não deve ser feito pela
Codesp isoladamente, mas tem de contar com a participação das
administrações municipais locais, do Estado e da União. Atualmente, a
Prefeitura de Santos conta com um grupo de estudo que analisa os
impactos das mudanças climáticas – e, consequentemente, do aumento do
nível do mar, na Cidade.
O diretor do Departamento de Revitalização e Modernização Portuária
do Governo Federal, Rossano Reolon, também defende que a questão do
aumento do nível do mar passe a ser tratada pelos portos, inclusive no
cais santista. Segundo ele, que também preside o Conselho de Autoridade
Portuária (CAP) de Santos, tal fator deve ser considerado nos planos de
desenvolvimento do complexo. O fato de isso não ocorrer é reflexo da
falta de uma cultura de planejamento do setor.
“Realmente, hoje, o Porto de Santos não trabalha com isso (o SLR).
Mas essa é uma visão que deve ser mudada. O País precisa de seus portos
para crescer e, para isso, eles devem se planejar, devem estudar como
serão suas operações em 30 anos, quais os desafios que terão de superar
nas próximas décadas. Temos de ter uma cultura de planejamento. E com
isso, abordar questões como o aumento do nível do mar. E não podemos
fugir disso, pois não adiantará. Uma hora teremos de enfrentar essa
situação e será melhor se estivermos preparados”, afirmou Reolon.
Na reunião com a consultoria Aecom, a elevação do nível do mar foi
tratada por vários técnicos da empresa. Um deles foi o vice-presidente
sênior de firma, Edward Schmeltz, que abordou os impactos desse processo
nos portos e nas zonas costeiras. Segundo ele, o fenômeno deve
intensificar as inundações nessas regiões e ocorrência de tempestades e
ventos mais violentos, levando à interrupção das operações portuárias e
aumentando o desgaste da infraestrutura de costado e berços de
atracação.
SRL também deverá afetar o transporte de sedimentos – com um maior
volume de água em movimento, maior será a quantidade de sedimentos
carregados. Como consequência, devem ser ampliados os processos erosivos
e de assoreamento, afetando as condições de navegação nos canais
portuários. Com isso, a demanda por serviços de dragagem deve crescer.
Segundo Schmeltz, essas serão consequências gerais do aumento do
nível do mar. Para definir como uma região específica será afetada, há a
necessidade de um estudo aprofundado, argumentou. “A tendência é que
esses reflexos ocorram, mas temos de analisar a situação de cada porto,
de cada área costeira. Em alguns casos, os efeitos serão maiores e a
necessidade de adaptações também. Em outros, não. De qualquer forma,
essas regiões devem ser resilientes. E isso não é importante apenas em
relação a sua infraestrutura. Elas devem ser resilientes socialmente e
economicamente, de modo a lidar com esse fenômeno”, explicou.
Durante a reunião com a comitiva do Santos Export, técnicos da Aecom
mostraram algumas das soluções projetadas para proteger áreas da Ilha de
Manhattan do aumento do nível do mar. Entre as propostas apresentadas,
estão a implantação de barreiras (muretas) nos locais a serem inundados,
de modo a evitar o avanço das águas, e a construção de calçadões em um
nível superior ao solo atual. Essa estrutura também ajudaria a conter a
maré.
De acordo com o vice-presidente associado da Aecom, Brian Stobbie, que
participou do encontro, as medidas apresentadas buscam conter tanto a
elevação do mar como as ondas causadas por tempestades mais violentas,
que serão mais frequentes com as mudanças climáticas e o SLR. “Estamos
analisando essas obras, que serão implantadas nos próximos anos. Essa é a
solução inteligente a ser adotada, uma vez que não fazer nada só vai
garantir um prejuízo de bilhões a Nova Iorque”, disse Stobbie.
Nenhum comentário:
Postar um comentário