O grupo Libra, especializado em logística portuária, entrou em
contagem regressiva que pode lhe impor um desembolso vultoso no momento
em que enfrenta problemas financeiros e operacionais. Sem alarde, teve
início a arbitragem que discute contencioso que a companhia trava há
anos com a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). A estatal,
que administra o porto de Santos, cobra da Libra dívida bilionária pela
exploração de um terminal no cais, arrendado em 1998. Já a Libra,
controlada pela família Borges Torrealba, entende que a Codesp não
cumpriu o que estava no edital e, por isso, tem créditos a receber.
A arbitragem está em curso no Centro de Arbitragem e Mediação
(CAM-CCBC) da Câmara de Comércio Brasil-Canadá desde a segunda quinzena
de outubro e tem duração máxima de dois anos. O valor arbitrado terá de
ser quitado em até cinco anos e não cabe recurso. Pelos dados do balanço
da Codesp, é o maior passivo de uma empresa portuária junto à União. Em
2015 o terminal respondeu por 94% das contas a receber da estatal,
cerca de R$ 1,12 bilhão.
"Quem vai decidir é a arbitragem, mas o grupo considera que tem
contas a receber", disse um interlocutor. E acrescentou: "Venderam ao
grupo um Cadillac e entregaram um Volkswagen", afirmou, referindo-se aos
compromissos de infraestrutura que teriam que ser garantidos pela
Codesp.
O problema é que o grupo passa por um momento sensível, que um
possível desembolso só agravaria. Nos próximos anos, terá de fazer um
investimento de quase R$ 800 milhões no terminal de Santos pela
renovação antecipada do contrato, assinada em 2015, justamente quando
sua geração de caixa é insuficiente para cobrir despesas com juros e
eventuais amortizações de dívida financeira. Ao fim de 2015, a posição
de caixa consolidada da controladora Libra Holding era de R$ 398
milhões, para um total de mais de R$ 1,3 bilhão de empréstimos e
financiamentos que vencem neste ano.
Parte do problema foi que o grupo se alavancou para fazer a expansão
do seu terminal de contêineres no Rio e a operação de cargas não
respondeu à altura. A ampliação foi feita com recursos próprios e
financiamentos, inclusive do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES). O pacote incluiu emissão de debêntures em 2014 de R$
270 milhões para concluir o projeto de expansão do seu terminal carioca.
Em junho, a agência de classificação de riscos Fitch rebaixou o
rating de longo prazo da Libra Terminal Rio, de 'BB' para 'CCC', reflexo
da deterioração do perfil de crédito do grupo e da piora da geração de
fluxo de caixa operacional.
Gisele Paolino, diretora de Corporates da Fitch, diz que mesmo sem a
definição da arbitragem com a Codesp "a situação do grupo é muito
complicada para honrar obrigações com os próprios credores". Segundo
ela, apesar de o rating ser para a dívida da Libra Rio, ele reflete o
risco consolidado do grupo, dado que "os laços financeiros, estratégicos
e operacionais entre as companhias são grandes."
Para tentar sobreviver à tormenta, a Libra contratou a assessoria
financeira Lazard para reestruturar a dívida e está em negociações com
os bancos e debenturistas há três meses. Procurada, a Lazard informou
que não comenta casos de clientes e de possíveis clientes. Segundo
fontes próximas das discussões, os bancos têm sido compreensivos com as
dificuldades enfrentadas pelo grupo e a expectativa é que antes do fim
do ano possa haver algum tipo de acordo. A lista de bancos credores
inclui Itaú, Banco do Brasil, Santander e Bradesco.
Segundo fontes, as dificuldades da Libra se relacionam com
investimentos feitos em anos recentes e cujo retorno não foi o esperado
como resultado da crise no Brasil e do menor crescimento da economia
mundial, que reduziu tráfegos marítimos e levou à consolidação das
empresas de navegação. O terminal do grupo, no Rio, trabalha com alto
índice de ociosidade. Assim como o de Santos, que perdeu um serviço de
navegação da Ásia, o que agravou a situação.
Desde então, aumentou entre os trabalhadores do cais santista a
expectativa de que o grupo faça uma demissão em massa. O Sindicato dos
Empregados Terrestres em Transportes Aquaviários e Operadores Portuários
do Estado de São Paulo (Settaport) está negociando com a Libra uma
saída para evitar as demissões, que poderiam chegar a 300 funcionários.
"Estamos tentando uma alternativa, eles nos disseram que vão ficar
com um navio por mês, mas isso é muito pouco para a estrutura da
empresa", disse o presidente do Settaport, Francisco Nogueira.
O grupo também investiu no segmento aeroportuário, comprando o Aeroporto Internacional de Cabo Frio (RJ), em 2011.
No processo de reorganização pelo qual está passando, a Libra decidiu
se desfazer de ativos não prioritários. Em agosto vendeu a Companhia de
Navegação da Amazônia (CNA) para a MLOG e há outros ativos, incluindo
terrenos, dos quais o grupo poderia se desfazer, segundo fontes. No
mercado, há informações de que ativos ligados diretamente à família
controladora, os Borges Torrealba, como um haras nos Estados Unidos,
podem ser vendidos.
Procurado, o grupo disse que as atividades e os investimentos
necessários para a expansão da infraestrutura em Santos "seguirão o
cronograma estabelecido no contrato de arrendamento". O projeto foi
entregue no início de setembro ao governo.
A Libra disse ainda que iniciou um processo de reestruturação com o
objetivo de se ajustar ao atual cenário econômico brasileiro,
prejudicado pela redução dos fluxos de exportação e importação no porto
de Santos, e, simultaneamente, pelo aumento de oferta no porto. "A
empresa está focada na adequação de sua estrutura operacional, na
redução de custos e na intensificação de ações comerciais para a
retomada do volume de carga, agindo proativamente no aumento da
competitividade e na eficiência portuária em Santos, em prol do comércio
exterior do país", disse a empresa em nota.
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