O gás natural, usado no transporte terrestre em automóveis e em
veículos pesados como ônibus e caminhões, tem ganhado espaço no
transporte naval para abastecer navios em países como Estados Unidos e
Noruega. Um grupo de pesquisadores do Centro de Pesquisa para Inovação
em Gás Natural – Research Centre for Gas Innovation (RCGI, na sigla em
inglês) –, apoiado pela Fapesp, BG Group-Shell e instituições de
pesquisa, tem estudado a viabilidade de utilizar no Brasil o combustível
considerado “de transição”, por ter uma queima mais limpa do que outros
de origem fóssil empregados em aplicações navais.
O escopo do
projeto foi apresentado durante o “1st Day Sustainable Gas Research
& Innovation Conference 2016”, realizado nos dias 27 e 28 de
setembro em São Paulo. O evento reuniu cerca de 140 pesquisadores do
RCGI e do Sustainable Gas Institute (SGI) do Imperial College London, da
Inglaterra, para discutir projetos de pesquisa, desenvolvimento e
inovação em gás natural, biogás e hidrogênio, incluindo novas
tecnologias e aplicações e formas de diminuir as emissões de gases de
efeito estufa.
“Faremos inicialmente um roadmap [conjunto de diretrizes e
instruções] para avaliar as possibilidades de empregar o gás natural no
setor marítimo brasileiro, levando em conta fatores tecnológicos,
econômicos e ambientais”, disse Claudio Muller Prado Sampaio, professor
da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP) e um dos
coordenadores do projeto, à Agência FAPESP.
De acordo com Sampaio, o combustível usado hoje no setor marítimo
internacional é o óleo combustível pesado ou residual – heavy fuel oil
(HFO, na sigla em inglês). O HFO é considerado o pior produto do
petróleo, por ser a parte remanescente da destilação das frações pesadas
obtidas em vários processos de refino do petróleo, e precisa ser
aquecido e purificado para ser usado em motores de combustão interna
para geração de calor.
O processo de combustão do óleo nos motores para geração de calor
causa a liberação para a atmosfera de grandes quantidades de óxido de
enxofre (NOX) contido no produto e de material particulado, explicou
Sampaio. A fim de regular as emissões desses poluentes pelo transporte
marítimo – responsável por mais de 3% das emissões globais de CO2,
podendo chegar a 5% em 2050 –, a Organização Internacional Marítima
(IMO, na sigla em inglês) estabeleceu, em 2008, que a partir de 2015 os
navios que navegarem pelas chamadas zonas de controle de emissões de
enxofre – como o mar Báltico, o mar do Norte e o canal da Mancha – não
podem utilizar combustível com mais de 0,1% de enxofre.
A medida determinou ainda que os
armadores poderiam optar por diferentes métodos para estar de acordo com
a regulamentação. Entre esses métodos estão a utilização de combustível com baixo teor
de enxofre, de gás natural liquefeito para propulsão ou o uso de
lavadores ou outras tecnologias que purifiquem os gases de escape dos
motores.
“Essa busca por combustíveis com baixo teor de enxofre tornou o gás
natural liquefeito competitivo e interessante para o setor marítimo
internacional, uma vez que ele praticamente não possui enxofre e outros
compostos nocivos como o óxido de nitrogênio”, disse Sampaio. “Além
disso, com a entrada dos Estados Unidos na exploração de gás de xisto,
passando a produzir uma grande quantidade de gás natural, houve um
aumento da oferta de gás natural liquefeito no mercado internacional.
Isso levou a um barateamento do produto.”
Alguns países produtores de gás natural, como os Estados Unidos,
saíram na frente e começaram a construir embarcações com motor dual fuel
– movidas a dois tipos de combustível – e a criar regiões de
armazenamento de gás natural liquefeito para reabastecimento das
embarcações. E, mais recentemente, começaram a desenvolver projetos de
navios porta-contêineres e de apoio a plataformas offshore movidos a gás
natural.
A Noruega, por sua vez, subsidiou projetos voltados a desenvolver
embarcações com motores híbridos, também movidos com gás natural
liquefeito, a fim de aumentar a economia de combustível e diminuir as
emissões de gases de efeito estufa, apontou Sampaio. “Como a maioria
dessas embarcações tem sido desenvolvida no exterior, não sabemos quais
técnicas foram utilizadas para construí-las”, disse.
“Pretendemos desenvolver projetos de embarcações movidas a gás
natural liquefeito mais adaptadas às condições marítimas brasileiras,
como com menor calado, ou outro sistema de posicionamento dinâmico
[usado pelas embarcações para manter uma posição estável ao fazer
operações de carga e descarga, independentemente das condições de mar e
vento]”, disse o professor da Poli-USP.
Os pesquisadores também avaliarão a disponibilidade de gás natural
das reservas brasileiras e farão projeções de oferta e demanda do
produto para o setor marítimo nacional nas próximas décadas.
Com 500 bilhões de metros cúbicos de reservas provadas, o Brasil tem a
segunda maior reserva de gás natural da América Latina, perdendo apenas
para a Venezuela.
Nos últimos seis anos, o aumento da participação do gás natural na
matriz energética brasileira foi de 30%. Entretanto, hoje, boa parte do
gás natural produzida no País é reinjetada no subsolo, inclusive aquela
parcela oriunda do pré-sal, calculada em 6,3 bilhões de m³ em 2014.
Naquele ano, 5,1% da produção total brasileira foi queimada ou perdida, e
18,0%, reinjetada. Em comparação a 2013, o volume de queimas e perdas
em 2014 cresceu 24,3%, e o de reinjeção aumentou 47,8%.
“Tem sido injetado atualmente uma quantidade de gás natural no
pré-sal que equivale a um terço do consumo brasileiro”, comparou Julio
Meneghini, diretor acadêmico do RCGI. “O Brasil poderia deixar de
importar o gás natural da Bolívia e substituí-lo pelo gás produzido no
pré-sal se resolvermos questões como a purificação, retirada de CO2 e a
logística de distribuição.”
Segundo o pesquisador, um dos principais problemas apresentados
pelo gás natural contido na camada do pré-sal é que ele possui um alto
conteúdo de CO2 – o que o torna semelhante a um biogás.
A fim de purificá-lo e viabilizar o transporte e a distribuição desse
gás, os pesquisadores do RCGI têm estudado diferente rotas, afirmou
Meneghini. "Hoje estão sendo desenvolvidos no RCGI 29 projetos em três
programas de pesquisa – Engenharia, Físico-química e de Políticas de
energia e economia –, por equipes multidisciplinares compostas por
engenheiros, além de advogados, economistas, geógrafos, biólogos,
experts em energia, físicos e químicos."
O RCGI é um dos três Centros de Pesquisa Aplicada Colaborativa
criados pela FAPESP em 2015, que envolvem grandes parcerias entre
empresas e universidades ou institutos, todos eles com um contrato por
até 10 anos para desenvolver atividades de pesquisa avançada.
Resultado de uma parceria entre a Fundação, o BG Group-Shell, a Poli e
o Instituto de Energia e Ambiente (IEE), ambos da USP, e o Instituto de
Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), o centro foi concebido para
desenvolver pesquisas sobre uso e aplicações de gás natural.
A meta é intensificar sua presença na matriz energética paulista e
brasileira e contribuir para a redução de emissões de gases de efeito
estufa. “Cada R$ 1 investido pela FAPESP nesses Centros de Pesquisa Aplicada
Colaborativa mobiliza mais R$ 1 da empresa e R$ 2 da universidade ou
instituto de pesquisa. Isso representa uma boa multiplicação”, disse
Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, na abertura
do evento. Também participou do evento José Goldemberg, presidente da
FAPESP.
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