As medidas econômicas adotadas pela Argentina para frear a disparada
do dólar na semana passada surtiram efeito, mas não foram suficientes
para dissipar a preocupação com a capacidade do governo de conter a
inflação e evitar outra desvalorização do peso. A moeda norte-americana
fechou em 22,33 pesos nesta segunda-feira (7), um valor inferior aos 23,30 pesos registrados no auge da corrida, na quinta-feira (3), mas 5 centavos acima da cotação de sexta (4), depois da intervenção do Banco Central, que elevou a taxa de juros de referência para 40%.
“O problema é que, na Argentina, o aumento do dólar imediatamente
repercute nos preços e isso, por sua vez, tem impacto sobre a inflação,
que continua em torno de 25%, apesar das promessas do governo de
reduzi-la”, disse o
economista Alan Cibils, da Universidade Nacional de General Sarmiento.
Segundo Cibils, os argentinos começam a desconfiar das politicas do
presidente Mauricio Macri, que estabeleceu como prioridade o combate ao
alto índice inflacionário, herdado de sua antecessora, a senadora
Cristina Kirchner. “Já passaram mais de dois anos, e o custo de vida não
só continua alto, como corre o risco de subir ainda mais.”
Historicamente, o dólar na Argentina funciona como um termômetro do
desempenho econômico: cada vez que há incerteza, quem pode compra a
moeda norte-americana, por considerar que é a melhor proteção contra a
inflação. Com o aumento da demanda, o valor do dólar sobe e acaba sendo
repassado para os preços – até de produtos que são fabricados na
Argentina, com insumos locais, como o pão. É o que os argentinos chamam
de índice “por via das dúvidas”, explicou Hector Politi, da associação
Consumidores Libres. “Como não tem certeza se vai ter dinheiro para repor o estoque no futuro, o comerciante aumenta os preços, por via das dúvidas, e isso gera um círculo vicioso.”
A corrida cambial da semana passada ocorreu depois que os Estados
Unidos (EUA) decidiram aumentar sua taxa de juros. Muitos dos que tinham
aplicado dinheiro em Letras do Banco Central argentino (Lebacs), porque
rendiam mais que os papéis do Tesouro norte-americano, não renovaram os
investimentos. “Preferiram investir no mercado dos EUA porque, apesar
dos juros ainda serem mais baixos que os argentinos, os riscos são
menores”, disse Cibils. “A desvalorização do peso e a inflação alta
tornam os investimentos menos atrativos, e existe ainda o perigo de a
Argentina recorrer a medidas para impedir a saída de dólares, como já
fez no passado.”
Para atrair de volta os capitais que estavam deixando o país, o Banco
Central argentino aumentou as taxas de juros de referência de 33.25%
para 40%. Apesar de o dólar ter recuado, em um primeiro momento, na segunda-feira,
voltou a subir levemente. “Essa medida pode atrair investidores, que
decidem renovar a aplicação por um mês, ou dois, mas a turbulência da
semana passada pode voltar”, ressaltou Cibils. Para o economista, o erro
do governo foi estimar que a causa da inflação é monetária, quando, na
verdade, boa parte dela deve-se ao aumento das tarifas públicas e dos
combustíveis, que haviam sido controlados e subsidiados durante os 12
anos dos governos de Nestor Kirchner (2003-2007) e Cristina Kirchner
(2007-2015).
Tanto os economistas que questionam as políticas neoliberais do atual
governo, quanto os mais ortodoxos, afirmam que Macri enfrenta uma
situação complicada – especialmente tendo em vista que não tem maioria
parlamentar, que perdeu apoio no Congresso e que espera disputar a
ganhar a reeleição. Segundo Fausto Spotorno, economista-chefe da
consultora Orlando Ferreres e Associados, o principal problema é o alto
déficit fiscal. “Os gastos do governo federal equivalem a 6% do Produto
Interno Bruto (PIB, soma de todos os bens e serviços produzidos no
país), quando deveriam estar em 3%.”
O Ministério da Economia reconhece que precisa cortar despesas, mas
considera politicamente inviável fazer um ajuste enorme de uma só vez,
optando por uma política gradualista.
“O problema da Argentina é que nosso mercado financeiro e muito
pequeno, e nossa economia depende muito de recursos externos”,
acrescentou Spotorno. “Para financiar o déficit fiscal, o governo tem
que emitir moeda e, com isso, gera inflação. Outra opção é aumentar
juros para atrair capitais. Ou seja, o dilema sempre será buscar um
equilíbrio porque não temos como imprimir dólares aqui”, explicou. De
acordo com o economista, a alta do dólar não é tão preocupante porque o
câmbio estava atrasado.
Spotorno e Cibils concordam que as pressões sobre o dólar e o governo
serão grandes. O desafio de Macri era baixar a inflação e os gastos
públicos e, ao mesmo tempo, manter os planos de investimento em
infraestrutura, o carro-chefe de sua campanha para a reeleição. Isso
tudo em um momento em que a confiança nos mercados emergentes é menor.
Nenhum comentário:
Postar um comentário