A falta de maior fiscalização nas rodovias pode afetar ainda mais a
crise no setor de transporte de cargas, que já sofre com o preço do
frete abaixo do custo operacional, mostra estudo inédito da Confederação
Nacional da Indústria (CNI) ao qual a Agência Brasil
teve acesso. Segundo o estudo “Transporte Rodoviário de Carga (TRC):
características estruturais e a crise atual” o aumento no número de
transportadores, tanto de autônomos quanto de empresas, levou ao
acirramento da concorrência, resultando em grande ociosidade na frota de
caminhões e a consequente diminuição do preço do frete.
Atualmente,
o setor tem 188 mil empresas de transporte de carga, cuja frota atinge
1,3 milhão de veículos. Elas dividem o mercado com 919 mil
transportadores autônomos de carga (TACs), com uma frota de 1,1 milhão
de veículos, e 400 cooperativas de transporte rodoviário de cargas
(CTC), com frota de 18,8 mil veículos.
Apesar
de os dados mais recentes indicarem redução no número de veículos
parados nos últimos três semestres, diminuindo de 65,4%,no primeiro
semestre de 2016, para 52,8% ao final do ano passado e 38,7% no primeiro
semestre de 2017, o percentual ainda é alto.
De acordo com o
especialista em políticas e indústria da CNI, Matheus de Castro, no caso
do transporte de cargas, setor normalmente competitivo, a redução do
preço do frete funciona como instrumento de concorrência entre as
empresas, mas não tem o efeito de gerar um aumento significativo da
demanda do mercado.
Segundo Castro, em um cenário normal, as
flutuações de preço tendem a restabelecer o equilíbrio entre oferta e
demanda nesse mercado, mas o desequilíbrio foi acentuado pela crise
econômica que gerou uma diminuição no volume de carga transportada.
“A
gente observou que nos últimos anos houve uma queda muito acentuada da
demanda por serviços de transporte, em decorrência da crise econômica,
enquanto ocorreu uma expansão acelerada do lado da oferta, da
disponibilidade de serviços de transporte, gerando uma situação em que
mesmo com a queda da demanda, o mercado não se autoajustava”, disse
Castro à Agência Brasil.
Pesquisa feita pela
Associação Nacional do Transporte de Cargas e Logística (NTC &
Logística), em parceria com a Agência Nacional de Transportes Terrestres
(ANTT), mostra que, entre o fim do ano passado e o primeiro semestre
deste ano, cresceu de 72% para 79% o número de empresas que receberam
pagamento pelo frete abaixo do custo. Já as que não aumentaram ou deram
desconto no frete passaram de 90% para 91%.
De acordo com Castro,
apesar de a concorrência provocar redução acentuada dos fretes, a crise
não se traduz na eliminação de empresas, uma vez que as transportadoras
menos eficientes permanecem no mercado, operando de forma precária.
Esse cenário, de manutenção do preço dos fretes abaixo do preço de
custo, é mais frequente nos mercados mais competitivos, devido à
existência de transportadores dispostos a aceitar fretes
significativamente mais baixos do que os vigentes no mercado.
Ele
observa ainda que apesar de as empresas responderem pela maior parcela
de oferta no setor (53%), o “estrangulamento” no preço do frete é mais
forte entre os transportadores autônomos. “Os preços praticados por
determinados caminhoneiros não cobrem nem o custo de operação. E nosso
interesse é ter um preço de frete compatível com o mercado e a demanda”,
disse.
A
Confederação defende maior fiscalização sobre a atividade como uma
possível solução para o impasse. “Não se trata de determinar a inspeção
anual de toda a frota de veículos comerciais, o que inviabilizaria o
procedimento ou o tornaria mera formalidade, mas sim estabelecer
periodicidades diferenciadas, com intervalos decrescentes de acordo com a
idade do veículo”, destaca o estudo.
Entre as medidas que podem
contribuir estão o aumento da verificação do peso dos caminhões, o
combate à sonegação de impostos e a implantação da inspeção técnica de
veículos, com cancelamento da inscrição no Registro Nacional de
Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTRC) do veículo não aprovado na
inspeção .
“Daí a gente fala em fiscalização, pois enquanto o
governo não implementa, de fato, diversas normas já previstas, ele acaba
beneficiando os infratores. Caminhoneiros que não deveriam estar no
mercado ofertando serviços de transporte porque eles não estão cumprindo
a lei”, disse Castro.
Para o especialista, a maior fiscalização
tem que valer tanto para as empresas quanto para os autônomos. “Quando a
gente analisa a idade média dos caminhões que estão trafegando, que é
uma idade muito elevada, vê que se a inspeção tivesse ocorrendo de
maneira eficiente, teríamos uma quantidade menor de veículos infratores
trafegando”, disse.
De acordo com o estudo, a inexistência de
barreiras à entrada no mercado e a ampla possibilidade de recuperação
dos investimentos realizados limitam a margem de lucro das empresas e
dificultam a eliminação de operadores ineficientes. “É exatamente a
ineficácia dos mecanismos de mercado que impede que os transportadores
menos eficientes e que não obedecem a legislação sejam eliminados”, diz o
trabalho.
O estudo da CNI descarta a necessidade de uma
intervenção do governo no setor, mas observa que o Estado tem um papel
de regulador importante. De acordo com os dados mais recentes sobre o
setor de transporte de carga, 582 mil caminhões têm idade superior a 20
anos. A frota das empresas transportadoras de carga (ETCs) tem, em
média, 10,3 anos, enquanto a dos transportadores autônomos de cargas
(TACs) tem média de 18 anos. “Isso causa impacto na atividade dos
transportadores autônomos, beneficiando os que estão atuando de maneira
correta e acabam sendo prejudicados também por caminhoneiros de empresa
que não cumprem as regras”, acrescentou.
Responsável pela fiscalização dos veículos, a ANTT disse à Agência Brasil
que as dificuldades econômicas têm provocado ajustes em várias esferas
de atuação governamental, com o contingenciamento de recursos. “A ANTT
tem efetuado esforços para que os contingenciamentos não afetem as ações
fiscalizatórias de sua competência”, disse a assessoria. A
agência ressaltou que tem mantido a frequência de ações de sua
competência e “está aprimorando os mecanismos de monitoramento
eletrônico, visando ao aumento da eficiência da fiscalização.”
Ainda
de acordo com a agência reguladora, no que diz respeito ao
cadastramento de veículos de cargas, está em avanço a implantação de
pórticos eletrônicos para a leitura da Tag, uma espécie de chip eletrônico
associado à identificação do veículo e do transportador, que transmite
dados para a ANTT por meio das antenas instaladas nas rodovias que
coletam as informações.
“A ANTT está executando o Projeto Canal
Verde Brasil, que tem como um dos serviços agregados a implantação de
pórticos nos principais eixos rodoviários. Esses pórticos dispõem de
equipamentos de leitura de placas veiculares e de rádiofrequência para
leitura das Tags, que serão instaladas, neste primeiro momento, nos
veículos de carga. A rede de monitoramento implantada pela ANTT
possibilitará a execução da fiscalização do transporte de carga de forma
eletrônica, aumentando, consideravelmente, a eficiência das ações da
agência.
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