No mesmo dia em que foi divulgada uma retração de 3,6% da economia em
2016, configurando a pior recessão da história do país, o governo
anunciou um pacote de concessões com investimentos de R$ 45 bilhões.
Menos de um terço do valor, no entanto, são de projetos efetivamente
novos. A maioria dos empreendimentos e iniciativas, como a renovação
antecipada de concessões de ferrovias e a privatização da BR-101 em
Santa Catarina, já havia sido objeto de anúncios anteriores e nunca saiu
do papel.
Com um cronograma ambicioso, tentando destravar tudo o que foi
listado ontem até o fim de 2018, a carteira do Programa de Parcerias de
Investimentos (PPI) foi reforçada com 70 projetos. As áreas de
saneamento e energia tiveram destaque. São 35 novas linhas de
transmissão, totalizando 7.358 quilômetros, que tiveram ontem mesmo
editais aprovados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). O
leilão ocorrerá em 24 de abril.
Foram anunciados planos de desestatização dos serviços de
abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto em 15 Estados. O
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) prometeu
lançar em abril um segundo lote de editais para contratação dos estudos
no setor. Esses estudos vão definir o modelo de parceria mais viável com
o setor privado em mais cinco Estados: Acre, Ceará, Paraíba, Rio Grande
do Norte e Santa Catarina.
As linhas de transmissão devem receber investimentos de R$ 13,1
bilhões e são tidas no governo como projetos que despertam interesse do
setor privado. O último leilão, realizado já depois do impeachment da
ex-presidente Dilma Rousseff, teve alta procura e trouxe empresas que
não vinham participando dos certames.
Boa parte dos outros anúncios, no entanto, já havia sido feita em
ocasiões anteriores. A própria Dilma, em 2015, lançou o processo de
renovação antecipada das concessões de ferrovias na segunda rodada do
Programa de Investimentos em Logística (PIL 2). O problema é que não
havia um modelo bem definido para essas prorrogações e nenhum termo
aditivo foi celebrado.
Agora, o governo espera destravar R$ 25 bilhões em investimentos com a
renovação por 30 anos de cinco concessões que expiram na próxima
década: Malha Paulista, MRS Logística, Ferrovia Centro-Atlântica (FCA),
Estrada de Ferro Carajás e Vitória-Minas.
Dessas cinco, apenas a primeira tem tramitação avançada na Agência
Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). O governo Temer também quer
acertar a extensão contratual da MRS em 2017, o que é visto como uma
meta bastante ambiciosa, deixando as outras para 2018.
Fernando Paes, diretor-executivo da Associação Nacional dos
Transportadores Ferroviários (ANTF), destaca que o setor ferroviário sai
em vantagem em relação aos outros modais. Não há exigência de compor os
investimentos e pagamento de outorga com emissão de debêntures para
acessar crédito do BNDES. "Além disso, o governo poderá destinar parte
dos valores pagos com outorga para investimento no próprio setor, em
outras malhas, existentes ou não".
Executivos de empresas de saneamento básico e analistas que
acompanham o setor avaliam que a inclusão das empresas estaduais no
cronograma do PPI prioriza e agiliza a privatização, concessão ou
parcerias público-privadas (PPPs), mas consideram apertado o prazo
estabelecido pelo governo federal.
"Praticamente todos os projetos que estão na lista de concessões do
PPI têm um histórico longo, começaram a ser articulados no governo
anterior. Com as estatais de saneamento é diferente, ainda vão começar a
estudar a modelagem. Fora isso será necessário uma negociação muito
afinada com os governos estaduais e as respectivas assembleias
legislativas, que terão que aprovar tudo, e até com municípios que podem
ser importantes nesse processo, aqueles que têm contratos com a estatal
e contam com autonomia para aceitar ou não a operação por uma empresa
privatizada ou concessionada. Essa costura pode ir muito além de 2018",
disse uma fonte do setor, que preferiu não se identificar.
A presidente do BNDES, Maria Silvia Bastos Marques, ponderou que em
abril será lançado o segundo lote de editais para a contratação de
estudo de viabilidade e modelagem de presença da iniciativa privada nas
empresas estaduais de saneamento e destacou que o cenário econômico
também está melhor. Pelo menos vinte consórcios, formados por bancos,
consultorias e escritórios de advocacia, estão pré-qualificados para
participar da concorrência para os estudos de seis estatais (Alagoas,
Amapá, Pernambuco, Sergipe Pará, e Maranhão). As licitações para
contratar os estudos do primeiro lote ocorrerão entre 15 e 21 de março.
Maria Silvia avaliou que as condições macroeconômicas melhoraram
desde a última reunião do conselho do PPI, em setembro do ano passado, e
isso facilita a emissão de debêntures pelos investidores em
infraestrutura para financiar suas concessões. "Com a melhora do
ambiente macroeconômico, isso melhora o mercado de capitais e o mercado
de debêntures. Estou bem mais confiante", afirmou a presidente do BNDES.
O presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias
de Base (Abdib), Venilton Tadini, avalia que entre setembro e agora,
houve tempo para maturar ainda mais o arcabouço de projetos do PPI,
citando como exemplos a criação de mecanismo de proteção ao risco
cambial para os leilões de aeroportos e a possibilidade de renovação das
atuais concessões ferroviárias. Ele não vê "açodamento" por parte do
governo.
"Do ponto de vista de se tentar acelerar o que é possível, em termos
de atração de investimento ao país, está se fazendo um trabalho
interessante e articulado, envolvendo vários ministérios, Caixa, Banco
do Brasil, BNDES. Não acho que seja um açodamento. Dada a gravidade da
crise, o nível de desemprego e os gargalos de infraestrutura que temos,
houve cautela. Os modelos de licitação que estão agora no pipeline
reviram vários conceitos de licitações anteriores", opinou Tadini,
ponderando que o governo pode perder tempo com a não renovação dos
contratos de concessão de importantes rodovias. "Optar pela relicitação
quando já se tem investidor qualificados é ponto negativo."
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