Uma decisão da 8ª Vara da Seção Judiciária de Brasília (SJDF) deu à
Zemax Log Soluções Marítimas o direito de descumprir um artigo da
resolução 1/2015 da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq),
que trata da obtenção de autorizações para afretamento de embarcações
estrangeiras por empresas brasileiras de navegação (EBNs). Em outubro do
ano passado, o juiz federal Francisco Alexandre Ribeiro concedeu
mandado de segurança individual para a Zemax contra a superintendência
de outorgas da agência.
Na prática, o mandado impede a Antaq de
exigir da empresa os requisitos de tonelagem de porte de bruto previstos
na norma e a obriga a emitir o certificado de autorização de
afretamento. “Se a própria Antaq reconhece a existência de dificuldades
na interpretação da norma, na medida em que seus setores internos
divergem entre si, não me parece razoável obstar a atividade econômica
da impetrante exigindo-lhe a satisfação de requisito que não se encontra
claramente disposto na legislação”, concluiu o juiz federal.
Em
consulta prévia à Antaq no ano passado, a Zemax recebeu resposta
favorável do então diretor-geral, Adalberto Tokarski. Em maio daquele
ano, um ofício assinado por ele (158/2017) afirmava que, após
circularização no Sistema de Afretamento na Navegação Marítima e de
Apoio (Sama) e constatada insuficiência da frota nacional para efetuar
determinada operação de transporte de hidrocarbonetos, pode ser
autorizado o afretamento de embarcação estrangeira pela EBN sem
limitação de tonelagem de porte bruto e sem existência de embarcação de
tipo semelhante em sua frota. A regra vale na modalidade a casco nu sem
suspensão de bandeira, por tempo ou por viagem.
No processo, a
Zemax afirmou que posteriormente foi surpreendida por exigência do
requisito de tonelagem, o que caracterizou o não atendimento de seu
pleito administrativo. A empresa então cobrou da agência reguladora a
observação da interpretação anterior. Porém, mesmo após a ordem da
diretoria-geral para adoção das medidas necessárias, a agência deixou de
atender o pleito da Zemax e a sugeriu aguardar manifestação da
diretoria colegiada sobre alteração ou não da norma. Em razão dos custos
envolvidos na operação de afretamento contratada previamente, a empresa
solicitou liminar, que foi deferida e, na sequência, seus efeitos foram
estendidos. O Ministério Público Federal (MPF) manifestou-se pela
negativa do mandado de segurança.
A Zemax relatou no processo que
o ofício gerou expectativa na empresa de que as circularizações
protocoladas na sequência não seriam condicionadas à limitação de
tonelagem de porte bruto e que assim ela enfim obteria a autorização de
afretamento. O entendimento da Zemax é que o artigo 5º da norma (inciso
III, alínea "c") não contempla nem limite de tonelagem nem propriedade
de embarcação de tipo semelhante para a circularização e afretamento de
embarcação para transporte de hidrocarbonetos e derivados. "Num ambiente
de negócios (...), principalmente no ramo da navegação, dada a sua
peculiar regulação, é imperioso que haja um mínimo de previsibilidade, a
fim de que seus agentes possam operar com estabilidade e segurança
jurídica", considerou o juiz.
Em abril de 2017, os especialistas
em regulação de serviços de transportes aquaviários da agência, Diego
Rafael Barboza Amorim e Rodrigo Guimarães Trajano, assinaram nota
técnica a partir de uma demanda da gerência de regulação da navegação
marítima da superintendência de regulação (GRM/SRG). A nota considerou
que o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional, ou de
derivados básicos de petróleo produzidos no país, trata-se de navegação
de cabotagem e abriu possibilidade de os certificados de autorização de
afretamento (CAAs) serem obtidos pela EBN sem limitação de tonelagem de
porte bruto ou embarcação de tipo semelhante em sua frota.
Em
julho de 2017, o diretor Mário Povia, relator do processo administrativo
na Antaq, considerou em seu voto que a tramitação da consulta foi
equivocada. Ele alegou que posicionamento adotado pela gerência de
regulação, que respaldou ofício 158/17, não contou com a consulta à
superintendência de outorgas e à gerência de afretamento da navegação.
"Não há qualquer celeuma a respeito da matéria (artigo 5º), cuja
discussão foi amplamente abordada no bojo da nota técnica 06/2015, que
tratou de forma cristalina do tema”, argumentou Povia.
Em março
deste ano, o diretor Francisval Mendes divergiu do posicionamento do
relator e pediu vistas do processo administrativo, alegando complexidade
do assunto e a importância de proteger a segurança jurídica dos atos da
agência. Ele observou que existem decisões judiciais desfavoráveis
sobre o tema que servem de alerta à agência quanto à necessidade de
revisitar a norma e seus fundamentos. Mendes entendeu que a norma é
clara quanto ao critério de tonelagem para emissão do CAA,
independentemente do tipo de carga. "O que não está suficientemente
elucidado nos autos, e aí reside o equívoco da SRG, é a necessidade do
critério da tonelagem, sob o aspecto técnico para a emissão do CAA",
votou.
Ele ressaltou em seu voto que a o espírito da Lei do
transporte aquaviário no Brasil (9432/1997) é a proteção da frota
nacional a uma concorrência desequilibrada com empresas estrangeiras, o
que leva à indagação sobre se a limitação de tonelagem é o meio
eficiente para inserir no âmbito protetivo da lei. "A princípio, pela
própria edição da resolução 01/15, após audiência pública, a conclusão
lógica é de que é requisito necessário e eficiente. Mas, ante os
questionamentos surgidos, há indicativo para que esta agência busque em
suas entranhas se sua norma está a atingir a proteção pretendida pela
lei ou se está a afastar", avaliou em seu voto.
Mendes sugeriu
análise técnica do tema para defesa da norma vigente ou a revisão de seu
texto, observado o comando da Lei 9432. Ele não viu razões para
revogação do ofício 158/17 e votou por instituir um grupo de trabalho
para estudos e apresentação de parecer técnico conclusivo sobre o artigo
5º da norma no prazo de 60 dias.
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