Um estudo desenvolvido pelo Governo Federal – e
que acabou esquecido nos gabinetes do Palácio do Planalto – aponta que
as mudanças climáticas em curso em todo o planeta vão afetar o principal
porto do País, Santos, especialmente sua infraestrutura de cais, a
retroárea e seus acessos, tanto marítimos como terrestres. Desconhecida
por autoridades do setor, a pesquisa ainda revela, de maneira inédita,
as obras necessárias para proteger o complexo santista dos efeitos
locais desse fenômeno global. São intervenções que demandam
investimentos de R$ 4,66 bilhões (em valores atualizados), a serem
realizados nos próximos 33 anos, até 2050.
Esses
dados constam do estudo Brasil 2040: cenários e alternativas de
adaptação à mudança do clima, obtido pelo jornal Tribuna de Santos.
Trata-se de um projeto conduzido pela então Secretaria de Assuntos
Estratégicos da Presidência da República entre 2013 e 2015, para mapear
os impactos das alterações climáticas no cotidiano do País, inclusive em
atividades econômicas e em seus portos.
Considerada
como a mais ampla e importante pesquisa sobre o tema realizada pelo
Governo, ela foi elaborada por especialistas das principais
universidades do País e se destacou por indicar quais as medidas
necessárias para o Brasil se adaptar aos novos padrões de temperatura,
chuvas e ventos, reduzindo seus efeitos na vida da população.
O
Brasil 2040 analisou os reflexos dessas mudanças em seis áreas -
Recursos Hídricos, Energia, Infraestrutura Urbana e Costeira,
Agricultura, Transporte e Saúde. A parte de Infraestrutura Urbana e
Costeira foi coordenada pelo professor Wilson Cabral de Sousa Júnior, do
Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). A análise dos portos foi
conduzida pelo professor Paolo Alfredini, da Escola Politécnica da
Universidade de São Paulo (USP), um dos principais nomes da Engenharia
Portuária no País e que vem pesquisando os impactos das mudanças
climáticas nesse setor, especialmente em Santos, nas últimas décadas.
Os
dados relativos ao cais santista constam do relatório Recomendações
para Adaptação às Mudanças Climáticas na Região Costeira e
Infraestrutura Portuária Brasileira, um dos mais de 30 documentos
produzidos no âmbito do projeto. Com data de 8 de junho de 2015, ele
narra, em 15 de suas 53 páginas, como os principais complexos marítimos
brasileiros são ou serão afetados pelas mudanças climáticas e seus
efeitos: a elevação do nível do mar e as maiores frequência e
intensidade de “eventos extremos” – tempestades com fortes ondas e
ressacas.
O estudo não
indica especificamente de quanto será o crescimento do nível do mar em
Santos – pesquisas anteriores do professor Paolo Alfredini apontam um
aumento de 35,3 centímetros por século, considerando as duas últimas
décadas, e que pode chegar a 80 centímetros por século em 2050. Mas
informa que, com essa elevação, parte da área de mangues da região deve
ser “afogada” pela água do mar.
Essa vegetação desempenha um papel
estratégico ao reter sedimentos trazidos, pela chuva, do continente para
o canal do Porto. Com sua redução, haveria um aumento do assoreamento
(deposição de sedimentos no estuário) e uma maior necessidade de
dragagem. Segundo o relatório, é previsto, para 2050, um incremento de
7% a 19% dos volumes que terão de ser dragados, em relação às
quantidades médias registradas nas décadas de 1990 e 2000.
Outro
efeito da elevação do nível do mar é a redução da borda livre do cais
(distância do piso do costado ao nível médio da maré). Conforme o
estudo, em 2015, o complexo santista tinha de 1,18 a 1,58 metro de borda
livre. Em 2030, restará de 0,88 a 1,28 metro e, em 2050, de 0,72 a 1,12
metro. Com isso, prevê-se uma maior deterioração da infraestrutura de
acostagem, que ficará mais exposta à maré. O
Brasil 2040 também aponta a intensificação das inundações de retroáreas
portuárias e dos acessos rodoviários e ferroviários e o próprio maior
assoreamento da Barra de Santos.
Para
proteger o complexo marítimo santista dos efeitos das mudanças
climáticas, foram apontadas seis medidas, algumas a serem realizadas
imediatamente, outras, até 2050. A mais urgente, conforme o
levantamento, é a gestão dos manguezais. O estudo defende a necessidade
de realocar essa vegetação para pontos mais altos da margem do Estuário
de Santos. O custo do trabalho não foi estimado.
Outras
propostas são elevar a infraestrutura do Porto e, consequentemente,
reprojetar a rede de microdrenagem, ações a serem feitas até 2030, com
um investimento (em valores atuais) de R$ 481,09 milhões. Também foi
sugerido redimensionar o sistema de macrodrenagem do complexo,
especialmente na retroárea (a Zona Noroeste de Santos já sofre com
alagamentos) e de seus acessos rodoviários e ferroviários, uma vez que
as inundações devem ser intensificadas. A intervenção, orçada em R$ 1,03
bilhão, pode ser executada até 2050.
A
fim de combater o maior assoreamento no canal de navegação, a equipe do
Brasil 2040 propõe a implantação de molhes guias-correntes na (obras de
proteção a serem erguidas às margens da via de navegação) na entrada do
canal de navegação até 2030. O empreendimento custaria, em valores
atuais, R$ 383,04 milhões.
E
para reduzir o impacto de maiores inundações, especialmente com a
intensificação de fortes tempestades e ressacas, o estudo propõe a
implantação de barreiras móveis estuarinas – estruturas já adotadas em
portos como Roterdã (Países Baixos) e Veneza (Itália). A medida também
seria adotada até 2050, demandando R$ 2,76 bilhões
A realização do estudo Brasil 2040 e suas conclusões
para o setor portuário são desconhecidas por autoridades do próprio
Governo Federal e da região, inclusive pelas ligadas ao setor portuário e
as que debatem mudanças climáticas.
Executivos do setor de pesquisas da Companhia Docas
do Estado de São Paulo (Codesp, a Autoridade Portuária de Santos)
afirmaram desconhecer o projeto. Questionados se pretendem analisar a
questão, informaram que ela deve ser um dos temas estudados pelo futuro
Núcleo de Apoio à Pesquisa (NAP), que a empresa planeja criar, em
parceria com universidades da região. A Codesp já iniciou contatos com
as entidades de ensino.
Em nota, o Ministério dos Transportes, Portos e
Aviação Civil informou que não conta com estudos específicos sobre o
assunto. Mas lembrou que a Codesp realizou um estudo sobre a erosão na
Ponta da Praia, em Santos, processo que foi relacionado com o aumento do
nível do mar. Também destacou que o Sistema de Gerenciamento do Tráfego
de Embarcações (VTMIS) do Porto, que começará a funcionar no próximo
ano, irá monitorar as condições das marés.
A Prefeitura de Santos também informou que não
conhece a pesquisa Brasil 2040, mas pretende analisá-la em seus esforços
para adequar a Cidade às mudanças climáticas - tarefa a cargo de uma
comissão desde 2015. Atualmente, a Administração Municipal prepara uma
licitação para contratar estudos sobre como se adequar ao aumento do
nível do mar. O edital da concorrência deve sair nas próximas semanas.
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