A proposta do governo de antecipar a devolução de R$ 100 bilhões
pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) ao
Tesouro Nacional até o fim de 2018 sinaliza o início de uma
reestruturação do banco de fomento, avaliam especialistas. Ainda que a
medida não seja adotada - Brasília avalia se a decisão fere ou não a Lei
de Responsabilidade Fiscal (LRF) -, o rombo nas contas públicas está
impondo um redimensionamento da instituição.
Na prática será preciso repensar a estrutura de financiamento,
cortar gradualmente o crédito subsidiado e conceder empréstimos de forma
mais criteriosa e assertiva. A nova presidente do Bndes, Maria Silvia
Bastos Marques, que deve assumir o cargo em junho, pontuam
especialistas, terá como prioridades definir focos de investimento
claros para estimular o mercado de capitais no país, operacionalizar o
processo de concessões e formular modelos de contratos de projetos que
garantam maior rentabilidade aos investidores.
O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já destacou que o Bndes
será peça-chave no estímulo a investimentos em infraestrutura,
saneamento básico e a pequenas e médias empresas. "O Bndes deve retornar
ao que era antes de se tornar um braço financiador do Tesouro. O banco
vai emprestar menos, de forma mais seletiva, e vai emprestar com uma
nova política, que ainda será definida", avalia Raul Velloso,
especialista em contas públicas.
A economista Margarida Gutierrez, da UFRJ, também destaca o
problema de caixa do governo federal. "O governo botou R$ 500 bilhões no
banco e (esse recurso) ficou lá parado, sem uso. Quando o governo
mantém esses títulos na mão do Bndes, paga juros. (Ao suspender aporte
do Tesouro) Vai reduzir o tamanho do banco, sim, no que tange o uso de
recurso público, porque o Estado está quebrado. Será preciso repensar a
estrutura de funding."
Para ela, a mudança será positiva mercado de capitais. "Quando o
Bndes empresta para todo mundo com excesso de recursos e com juros
subsidiados, ele encolhe o crescimento do mercado de capitais. Porque as
empresas vão todas ao banco, que tem crédito mais barato. A diferença
entre os juros reduzidos e os do mercado é paga pelo contribuinte."
Com as grandes companhias recorrendo ao Bndes, cujo juro de
referência é a TJLP (7,5%), restam para o setor privado empresas de
maior risco, pressionando o juro para cima (a taxa básica de mercado
está em 14,25% ao ano), explica a economista Monica de Bolle. "Fiz um
estudo que mostra que, se o Bndes retornar aos níveis de desembolsos de
2004 (R$ 40 bilhões), ao longo do tempo, colaboraria para uma redução de
1,3 ponto percentual da taxa de juro real do país."
Voltar no tempo, acrescenta, seria encolher para menos de um terço
do registrado em 2015, de R$ 136 bilhões: "Há muitos desembolsos que
podem ser feitos no mercado privado. O banco precisar voltar a ter um
foco: infraestrutura, principalmente a relacionada ao bem público, como a
área de saneamento".
Por ora, o Bndes não enfrenta dificuldades de caixa, mas de
demanda. Os desembolsos de 2015 caíram 28% sobre 2014. No primeiro
trimestre deste ano, foram R$ 18,1 bilhões, 46% menos do que de janeiro a
março de 2015. Ainda assim, a mexida na engenharia financeira terá de
ser feita. Entre 2011 e 2014, pelo menos metade da estrutura de capital
do banco vinha do Tesouro, embora o banco conte com outras fontes para
compor seu funding, como o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Uma forma de compensar menor participação financeira seria uma
forte atuação para viabilizar projetos no país, sobretudo as concessões,
explica o economista Claudio Frischtak, da Inter.B Consultoria. "O
banco deverá retomar a agenda anterior a 2009/2010, atuando como um
grande parceiro para o mercado de capitais. E atuar como um braço do
governo para viabilizar concessões públicas, PPPs (parcerias
público-privadas) e privatizações. Mais importante do que emprestar
recursos é operacionalizar projetos."
Outra via será o banco trabalhar para captar recursos do exterior.
Isso exigirá a elaboração de modelos de financiamento de projetos que
garantam retorno e rentabilidade ao investidor, diz ele. "As
privatizações no país foram comandadas pelo Bndes. O banco poderá ter
esse papel novamente. O economista Luiz Gonzaga Belluzzo pondera que a
venda de estatais e participações na carteira do banco deve ser avaliada
com atenção. "É momento de se desfazer de ativos? Vai significar perder
dinheiro, pois equivaleria a vender companhias na "bacia das almas"."
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