A construção de uma ferrovia transoceânica ligando o Brasil ao Peru, anunciada pela presidente Dilma Rousseff como um dos principais acordos fechados com a China nessa semana, foi recebida com ceticismo pelo agronegócio brasileiro. "Nunca
vai sair" e "se sair não tem como ser bancada por commodities agrícolas" foi a
maneira escolhida por um alto executivo de uma trading para se referir à obra.
"Não conseguimos fazer nem o Ferroanel de São Paulo", provocou o presidente de uma companhia da área de logística, referindo-se à burocracia e
entraves ambientais.
Em um café-da-manhã que reuniu CEOs de grupos ligados ao
setor nessa terça-feira, em São Paulo, o tom de descrença era o mesmo: a ferrovia seria um
projeto "faraônico" com um custo operacional que possivelmente compensaria "dar
a volta no continente" para levar soja à China. O escoamento da produção
brasileira de grãos para a Ásia por uma rota com saída direta para o
Pacífico é uma proposta federal antiga - já havia sido aventada no governo Lula
-, mas nunca foi um pleito do agronegócio. Para o setor, há opções melhores e
consideradas mais realistas do ponto de vista de execução.
Nos últimos
dois anos, a principal aposta tem sido no chamado "Arco Norte" do país. Todos os
grandes "players" - sobretudo as tradings multinacionais - se posicionaram às
margens do Tapajós e do Madeira para impulsionar o transbordo de cargas dos
caminhões para os rios amazônicos. A decisão não foi aleatória: os portos do Sul
e do Sudeste são congestionados e distantes dos polos de originação no
Centro-Oeste. Pelo Norte, o transporte para a Ásia custa cerca de 35% menos.
Com investimentos totais bilionários sendo injetados nesses corredores
fluviais, concessões na região de novos terminais portuários e ainda uma
ampliação significativa em curso no Canal do Panamá, as empresas do agronegócio
não enxergam ainda motivos para olhar com expectativas a ferrovia até o Peru.
Cálculos do Movimento Pró-Logística, que reúne associações de
agricultura e pecuária, mostram que a opção hidroviária continuaria sendo mais
atrativa economicamente. Segundo a entidade, o percurso pela hidrovia do
Madeira-Amazonas de Porto Velho (RO) a Vila do Conde (PA) - de 2.527 km - tem
frete estimado hoje de R$ 151,52 por tonelada. Do mesmo ponto de partida, mas
com 2.256 km de extensão, o frete estimado por ferrovia seria de R$ 234,58 por
tonelada movimentada até o porto peruano de Bayovar. "Tradicionalmente, no
mundo, o transporte por hidrovia é 53% mais barato que por ferrovia", afirmou
Edeon Vaz, do Movimento Pró-Logística.
Pelo acordo entre Brasília e Pequim, caberá à China realizar o estudo de viabilidade da
ferrovia. Por esse motivo, ainda não está definido o trajeto exato por onde os
trilhos passariam. De qualquer forma, alguns projetos de percursos esboçam um
eixo que sai do porto de Açu, no Rio, passando por Minas Gerais, Distrito
Federal, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre até chegar ao Peru. No meio do
caminho estão os Andes, o que exigiria um esforço logístico de construção e de
manutenção de trens pesados de soja. Outra incógnita é a viabilidade de tirar do
papel um projeto que envolve Estados e que passará por florestas e terras com
titularidade duvidosa.
O presidente da Hidrovias do
Brasil, empresa de logística fluvial controlada pelo P2, Bruno Serapião, considerou positiva a
chegada de capital externo para obras de infraestrutura no país. Mas disse que não
será um projeto fácil (o da ferrovia). Ex-executivo da ALL, ele elencou as dificuldades
enfrentadas em sua gestão para levar cargas da Argentina para o Chile através da
cordilheira dos Andes. "A carga seguia de Buenos Aires a Mendoza de trem, onde
era transbordada para caminhões que subiam e atravessavam os Andes até os portos
do Chile. A neve muitas vezes fechava a rodovia por até 30 dias", explicou o
executivo.
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